quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Como perder mais um aniversário (ou o Dindo foi velejar)

Antônio,

Já é 2017 e eu perdi seu aniversário mais uma vez.

Essa história começa assim: "Vamo velejar?"
Só há uma resposta possível para essa pergunta. Ainda mais quando seu camarada que mora num veleiro te faz essa pergunta.

O print screen que não me deixa mentir.

O Diego e a Georgia são um casal desses que de vez em quando saem no jornal por terem decidido viver de uma maneira não tradicional. Eles moram num veleiro de 32 pés há pouco mais de um ano e seguem velejando até o Caribe. Eles já tiveram várias aventuras, afinal saíram de Florianópolis e já estão em Fortaleza. Uma distância enorme para um barco a vela.

Já fazia mais de 2 anos que eu não saia pra navegar, antes era o meu trabalho, eu sempre ia pro mar, a cada 5 semanas eu estava lá. Essa realidade mudou, minha vida mudou e e eu decidi fazer outras coisas em terra firme e como você bem lembra eu fui viajar. Apesar da minha ligação íntima com o mar, sempre curtindo uma praia, um surf, mergulhos, eu não tinha muita perspectiva de subir a bordo de um barco e sair pra alto mar. Acho que não tinha nenhuma perspectiva...
Eu até já tinha pensado em me inscrever pra uma vaga no barco do Diego, pra fazer uma parte da viagem, voltar a velejar, só que eu não conhecia a Georgia muito bem, portanto eu tinha um certo medo dela. Uma mulher que decide ir morar num veleiro de trinta e dois pés, sair de Floripa e velejar até o Caribe definitivamente não é uma qualquer. Eu não sei das outras veladoras, mas a Georgia é o espírito, o vento e as velas do Unforgettable. Sem ela o barco simplesmente não ia nem flutuar. Hoje já não tenho medo (eu acho), tenho, porém, muito respeito pela força e determinação dessa mulher.

Dei uma super sorte já que os meninos não tinham nenhuma outra opção de tripulante e aceitei o convite antes de saber do que se tratava. Era dia 26 de dezembro quando o Diego mandou a primeira mensagem, dia 28 eu já tinha a passagem comprada. Eu sonhei com uma oportunidade dessas por toda a vida, não fazia muita diferença saber de onde sairíamos ou pra onde íamos, o importante era velejar e isso eu sabia que estava incluído. Logo o Diego me disse que precisava de uma mão de Salvador até Fortaleza porque ia fazer umas pernadas mais compridas, de alguns dias, meus olhos não acreditavam no que liam e meu sonho de fazer travessias oceânicas no pano que andava meio de lado voltava à tona. Eu já estava sentindo um chamado da Bahia e essa foi  a gota d'água. Estava decidido, era hora de voltar pro mar, era hora de voltar na Bahia, uma terra de águas quentes e muita magia.

Céu e mar se confundiam e o ano começava de cima da Pedra da Gávea.

Logo depois da virada do ano, no primeiro dia de 2017 eu estava com um sorriso no rosto depois de sobreviver à Pedra da Gávea e indo pro aeroporto. Depois de 4 meses sem viajar eu estava animado como se fosse a primeira vez, o que de certo modo era. Em Salvador, tenho alguns amigos e fiz a mágica de conseguir encontrar todos em apenas algumas horas de estadia, obrigado Bia, Rodrigo e Gigante pela recepção.

Embarquei na madrugada do dia 3 de Janeiro, o barco estava pronto pra sair e largamos os cabos às 0600, devagar fomos navegando, 3 horas depois passávamos pelo icônico Farol da Barra, que sensação boa foi essa. Já fora de barra, colocamos os panos em cima e começamos nosso velejo. fazia muito tempo que eu não velejava, mas parece que é como andar de bicicleta, nunca se esquece. A viagem começou um pouco dura, logo estávamos molhados dos pés à cabeça velejando de contravento, enfrentando as ondas. Velejar com a bunda molhada não é a atividade mais prazerosa do mundo, mas seguíamos fortes. Logo o vento melhorou, o velejo também, nossas bundas secaram e ganhávamos milhas navegadas, cada vez mais perto do nosso destino. A primeira parada foi em Barra de São Miguel, onde fomos recebidos como convidados de honra. A comunidade náutica é muito hospitaleira e generosa, todos se ajudam sempre, sem pedir nada em troca, pelo simples prazer de ajudar. É bonito participar dessa troca boas energias num tempo onde isso parece estar se perdendo.
Depois de lá seguimos até Cabedelo onde mais uma vez fomos bem recebidos, de lá viemos até Fortaleza, de onde escrevo. A viagem foi ótima, de vento em popa em alguns momentos, na maior parte do tempo de través ou alheta, fizemos algumas avistagens de golfinhos, aves, peixes voadores, jangadas, navios e outros veleiros.

Grupo de Tursiops truncatus dando o ar da graça.

Aqui em Fortaleza chegou o Luigi, que esteve comigo em Bali ano passado, que veio me substituir no barco. Apesar de esse ser o plano inicial, essa substituição não se confirmou, consegui uma extensão no meu contrato e também vou pro Caribe! Quando eu trabalhava esse tipo de extensão do contrato era pior que a morte, na vida real é melhor que sonho bom. Velejar tem tudo que o meu trabalho tinha de bom e nada do que tinha de chato. Estou muito feliz por ter voltado a navegar. E navego com o vento, sem barulho, sem pressa.

Nem tudo são flores nessa viagem. Depois de Salvador, eu gostaria de parar no Recife, tenho outras pessoas que eu queria encontrar por lá. Imagina só a gente entrando barra a dentro ao som do Alceu cantando: "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço!"
Sem contar as cervejas que seriam tomadas junto a pessoas maravilhosas. Isso nunca se realizou. O Diego é o Comandante do barco, ele que manda, ele que decide e ele decidiu não parar em Recife. Tentei de várias maneiras dissuadí-lo, nada adiantou, ele me disse do alto da sua sabedoria que esse pequeno sacrifício seria bom para o fortalecimento da minha fibra moral. Eu retruquei, disse que não seria um pequeno sacrifício, seria enorme. "Ainda melhor para a sua fibra moral" - ele me disse.
Não teve jeito, não parei no Recife, mas minha fibra moral está firme como uma rocha. O grande desafio agora é descobrir como usar essa tal fibra...

Portanto, essa é a história de como eu perdi sua festa de 2 anos. Perdi também a abertura do Carnaval no Rio e os aniversários do Alex e da Marinita. A Má entendeu minhas razões, o Alex também, o Carnaval eu ainda não sei, mas acho que sim. Só falta você dizer que entende, afinal você sabe sonhos precisam ser realizados, oportunidades surgem na nossa frente e precisam ser agarradas como hoje eu agarro as escotas do Unforgettable. Você também tem sonhos, você também quer realizá-los. Enquanto isso, eu acredito que a minha falta na sua grande festa será bom para o fortalecimento da sua fibra moral. Logo nos encontraremos com nossa fibra moral revigorada e eu te levo numa marina pra você conhecer uns veleiros e descobrir que existem outras coisas além dos seu queridos carros. Enquanto isso, vai focando nos seus sonhos, tenha fé, tenha muita fé, que um dia eles se realizarão. Espero que você sonhe com minha presença num aniversário seu e que esse sonho se realize logo.

No mar o sol se põe todos os dias.

Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo!

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Minha flor chamada Jasmin


Uma flor no parque.

Antônio, 

Estamos em 2016, pra você logo será passado, pra mim ainda soa como futuro. Em nenhum momento da minha vida eu imaginei o que estaria acontecendo em 2016. Eu nasci nos anos 80, tenho lembranças claras dos 90, há mais de 20 anos! Esses dias estava chovendo e a piada era que a volta pra casa na chuva ia ser estilo Ayrton Senna, meu ídolo do automobilismo que se foi em 94, antes da Copa do Tetra. Lá naquela época longínqua o ano 2000 já era um futuro distante, imagina agora, 2016!!! Apesar de não pensar em nada para esse futuro diretamente eu tinha alguns pensamentos gerais sobre o futuro. Pensava sobre os avanços da tecnologia, sobre minhas futuras viagens hipotéticas. Eu, naquela época, nunca pensei no futuro da sociedade, das relações humanas, isso não me dizia respeito. O mundo era bom e seguia seu caminho para melhorar, não precisava de mim, eu tinha que cuidar das minhas besteiras.

Eis que aqui nesse futuro, além das milhões de coisas que vem acontecendo, retrocessos na política do nosso querido Brasil, o caminho para a paz sendo interrompido pela violência e o ódio contra tudo e todos, a última notícia trágica é a do estupro coletivo de uma menina por 33 homens. Estupro coletivo é uma coisa nova pra mim e que eu achava que era coisa de extremista islâmico, nada contra o Islam que eu acho uma religião linda, mas é o que a mídia seletiva enfiou na minha cabeça sem eu querer e sem eu ver.
Do mesmo jeito, essa mesma mídia me ensinou tudo sobre o machismo e eu aprendi direitinho.

Na minha adolescência eu vivi por essa doutrina. Eu não entendia como uma gata que tinha namorado poderia estar sem ele numa festa. Eu escutei isso várias vezes e a minha reação era a mesma, surpresa e incredulidade. Umas vezes tinha mesmo um namorado em casa (ou em outra festa...), muitas vezes era mentira, não tinha namorado nenhum, outra coisa que eu não entendia era essa mentira pra mim, um cara educado, com os olhos vermelhos, um copo de vodka na mão e outro na barriga… Nada como uma mentirinha marota pra se livrar de um bêbado chato, no caso eu. Elas sabiam o que um cara bêbado pode fazer, eu, enquanto bêbado, não sabia. Passados os anos eu vi caras bêbados dando socos em gatas por nada ou porque elas disseram não, o que é a mesma coisa. Um homem é feito de nãos. Os nãos me ensinaram a eventualmente escutar um sim. É claro que naquele momento, bêbado e trocando as pernas eu não percebia isso, mas hoje é fácil de perceber que cada sim que eu escutei foi fruto de muitos nãos. Em vez de dar socos, esses caras tinham que dar graças, pensar melhor e ouvir o sim de uma outra.

Demorei anos e anos pra entender essa necessidade das mulheres de sair sem o namorado, de sair pra dançar, de sair pra tomar todas, de ser livre. Hoje eu entendo, hoje eu saio pra dançar com elas!

Durante essa viagem conheci um monte de gatas. Várias, de diferentes cantos do mundo, com orientação sexual diversificada, de cores diferentes, cada uma na sua viagem. Umas saiam pra dançar, outras saiam pra meditar, outras saiam pra fazer yoga, outras saiam pra mergulhar, outras pra surfar, outras pra beber, teve de tudo um pouco.
Umas foram viajar com o namorado, outras sem. Não tô falando daquela viagem de fim de semana pro evento da empresa, estou falando de viagens de uns meses, de vida intensa, conhecendo pessoas diferentes diariamente, completamente livre. 


Onde o acroyoga e a Thai Yoga Massage se encontram.

A mais marcante dessas mulheres foi a última, a Jasmin, que apesar do seu nome de flor provou ser uma mulher forte e decidida. Para mim, a  Princesa Austríaca (the Austrian Princess), para o mundo uma farmacêutica interessada em acroyoga e Thai Yoga Massage, dentre outras coisas. Nos conhecemos na inscrição do curso de massagem, tomamos um batido de coco que veio errado e selamos nossa amizade juntamente com a Marie, a Princesa Francesa (the French Princess). Ah, o meu codinome: The Mexican (mas isso é uma outra história).


A partir daí fomos nos conhecendo, estávamos no Vilarejo Lahu convivendo diariamente, desde as 6 da manhã até as 10 da noite, meditando, fazendo yoga, massagem, dividindo as refeições e sem internet, o foco era mesmo no ali e no agora.
Tivemos uma conexão imediata, não sei bem explicar o que é, mas a gente se gostou sem muitos motivos, isso acontece com algumas pessoas de vez em quando, pode ser algo de uma outra vida, pode não ser. As energias bateram. Mesmo depois de eu quase matá-la numa manobra de acroyoga mal-sucedida nossa relação não mudou. A cada dia que passava mais eu gostava dela. Quanto mais a gente conversava, mais eu gostava do namorado dela, ele é um cara incrível que me deu várias ideias para o futuro… 


As duas princesas.

Em nenhum momento passou pela minha cabeça me meter naquela relação deles, não é porque ela viaja sozinha que me dá o direito de assumir que ela está em busca de aventuras sexuais ultra-continentais. Muito pelo contrário, hoje quando eu vejo uma história dessas de liberdade na relação eu respeito dobrado, admirado e feliz por eles. E foi isso que eu fiz, tudo o que eu queria dela era a companhia, as conversas, as risadas, uma massagem de vez em quando e um ou dois abraços,pelo menos, por dia. O abraço da Jasmin é um dos melhores que eu já tive o prazer de experimentar. Ela com certeza estaria convocada para o meu hipotético time de distribuição de abraços grátis. No time titular e com a camisa 10.

Nessa condição, tinha gente que via o nosso relacionamento e pensava que eu estava tentando alguma coisa com ela, tinha gente que pensava que eu estava tentando alguma coisa com a Marie também! Estou falando de mulheres, mulheres da Europa, o Velho Mundo, que, por conta da nossa cultura machista espalhada ao redor do globo, não podiam conceber uma amizade genuína entre homens e mulheres.
Era mais fácil entender que eu estava dando idéia em duas amigas ao mesmo tempo que entender que a gente era brother. Eu também passei muito tempo sem acreditar nisso de amizade entre homens e mulheres, hoje minhas melhores amigas são mulheres, independentes, decididas, inteligentes, engraçadas, interessantes mesmo. Umas com namorado, outras com namorada, outras não, todas incríveis. É alucinante ter uma conversa honesta com esse tipo de gente, saber das durezas e dificuldades de ser mulher e das belezas também. A Jasmin é dessas, ou seja, das boas. Nossas viagens seguiram em frente, nos separamos e agora eu sinto falta dela, mensagens virtuais não são o suficiente, abraço é presencial.

Agora eu penso sim no futuro, mas não tanto no meu com as minhas besteiras, eu penso no seu futuro e desejo que ele seja repleto de Jasmins e outras flores raras. Um imenso jardim onde essas flores não sejam mais tão raras, um jardim onde elas cresçam livres e lindas com suas cores e seus cheiros únicos. Que nesse jardim você possa caminhar pela grama sem pisar em nenhuma delas, onde você possa observá-las, admirá-las, encher os pulmões com seus perfumes inebriantes e encher os ouvidos com suas ideias mirabolantes. E que um dia, nesse imenso jardim você um dia encontre uma que te faça ter as mesmas reflexões que teve o Pequeno Príncipe sobre a sua rosa.
Saiba que é da natureza de algumas flores ter espinhos, tente entender a natureza de cada uma delas, espinhos são necessários para sobreviver nesse terreno árido da incompreensão onde as vítimas são culpadas. Que as princesas da Áustria, da França, do Brasil e de todo o mundo se tornem RAINHAS das suas próprias vidas e saiam pra dançar, pra viajar, distribuindo amor, abraços, massagens e o que mais elas quiserem.

Também penso um pouco no meu futuro, no meu futuro próximo onde eu vou encontrar a Jasmin num verão, finalmente vou conhecer o Sacha, dar um abração nele e trocar altas idéias com ele também. Faremos acroyoga e há quem diga que eu a devo uma massagem...


Se cuida por aí,
Um beijo do Dindo!

quarta-feira, 27 de abril de 2016

A fina arte de lavar a roupa (ou 7 razões para comprar sabão de coco)

Balde, roupa suja, sol e suor, muito suor.

Antônio,

A vida na sua idade e na sua casa é muito mole.
Você já sabe lavar a sua roupa? Claro que não, né? A sua mãe continua lavando tudo pra você, ela lava duas vezes cada peça antes mesmo de você usar a roupa pela primeira vez.

A minha vida já não é mais assim faz um tempo. O que eu vejo como uma evolução positiva na vida de qualquer pessoa. Além da vida real, durante uma longa viagem é natural lavar as próprias roupas. Qualquer economia a longo prazo faz muita diferença lá na frente. Pensa que pra eu pagar alguém pra lavar as minhas roupas pode me custar entre 150, 200 ou até 400 rúpias por vez, por outro lado se eu mesmo lavar me custa 10 rúpias uma barra de sabão de coco que dá pra cem lavagens aproximadamente. É muito se você for pensar só no dinheiro. Mas o que eu quero dizer sobre lavar roupas não tem nada a ver com grana.

Ao viajar com apenas uma mochila por muito tempo uma relação se desenvolve, é ela que vai com você pra qualquer lado, sempre, sem nunca se opor a nada. Ela que se apoia nos seus ombros querendo ser um só com você, nela você apoia sua cabeça quando precisa. É verdade que de vez em quando ela pode te irritar também, mas como você mesmo arruma sua própria mochila, a culpa é mesmo sua e isso pode te irritar ainda mais, afinal aconteça o que acontecer, você nunca a deixará para trás, nunca. É ela que leva o que você tem de mais importante. E o que você tem de mais importante, você cuida.

Quando se está viajando só, lavar a sua própria roupa é como dar uma banho na sua gata. Bom, a essa altura você já entendeu que sempre que eu falo de gatas eu estou falando de felinas mulheres. Nada contra as felinas gatas, mas estas não gostam muito de banho.

Vamos às constatações dos fatos:

Primeiro:
Você só tem aquela roupa, igual quando você tem a sua gata, é só uma. Tem um lance de poliamor e relacionamento aberto agora em evidência, eu não sei muito sobre isso, mas uma coisa eu sei, viajar com mais de uma mochila é osso. Tem gente que consegue numa boa, tem gente que sofre com o peso extra. Definitivamente não é pra todo mundo.

Segundo:
Você vai ter que cuidar daquela roupa com todo o carinho, vai ter que se esforçar mesmo. A cada dia que passa a conexão vai aumentando, a cada dia que passa mais ela se torna parte de você, sua segunda pele. Mesmo que você não seja um metrossexual você não vai querer sua segunda pele encardida ou se sentindo deixada de lado. Na hora de lavar, então, você vai colocar todo o seu amor e dedicação. Te lembra alguma coisa?

Terceiro:
Quem melhor que você para saber onde precisa esfregar mais ou menos? Você  que usa e abusa daquela que te completa. Você que sabe onde sua mais ou menos de acordo com a atividade no dia anterior ou noite ou dia e noite. Você, o responsável por todo esse suor, é o mais indicado para fazer ele desaparecer e se transformar em bolhinhas de sabão. Se você pensar bem vai concordar comigo que não parece um bom negócio terceirizar esse serviço.
Pra bom entendedor meia palavra basta, portanto não preciso dizer que estou falando de colarinho, né?

Quarto:
Você vai descobrir que quanto mais você usa, quanto mais você lava, mais ela se desgasta. Nada disso, porém, é motivo para se desfazer de alguma coisa. Você deve lembrar daquela camiseta velhinha, que já foi lavada tantas vezes, mas que veste tão bem... Anos curada em sabão em pó e amaciante. Durante uma viagem tudo é mais intenso, mais rápido, com pouca roupa, há muitas lavagens e com muitos banhos o desgaste acontece antes do previsto. Logo suas camisetas novas serão tão confortáveis quanto aquela velhinha e essa transformação se dará na sua frente, pelas suas próprias mãos. Aproveite.

Quinto:
É verdade que eu comecei faz bem pouco tempo a lavar as minhas roupas a mão, mas eu posso dizer que tenho uma certa habilidade. Pensando sobre isso (aqui tenho tempo para pensar sobre qualquer coisa) cheguei à conclusão de que meu treinamento com as tantas gatas que eu já dei banho me ajudou muito. Tudo bem, tudo bem, pode ser que não tenham sido tantas gatas assim, mas as poucas e boas que me deram o prazer de ir pro chuveiro comigo me ensinaram bastante. Agora eu sei também que enquanto eu lavo as minhas roupas estou me preparando para um eventual próximo banho com alguém. 

Sexto:
Manchas são características que você vai querer evitar na sua roupa e na sua gata. Nos dois casos não é uma coisa que você está procurando. Há quem diga que existem técnicas para removê-las, que com o tempo elas desaparecem. Não desaparecem, meu caro, nem na roupa e muito menos na gata. Eu só conheço uma solução definitiva para eventuais manchas, na roupa você troca ela por uma nova; na gata, ela troca você.

Sétimo:
Lavar a roupa com as próprias mãos é um passo a mais na intimidade com ela. É nessa hora que você aprende detalhes imperceptíveis no dia-a-dia. Aquele detalhe na costura que faz dela uma peça única, que só você possui. É nessa hora que você descobre segredos que nem ela sabia que escondia. Segredos não têm preço.


Eu poderia seguir em frente com muitas outras razões, mas o bom mesmo é descobrir suas próprias razões.
Para isso só basta começar.

Há uma diferença importante, porém, a ser notada. Nas minhas roupas aprecem furinhos misteriosos de vez em quando. Em geral de formas arredondadas e sempre sem explicação científica. Eu tenho a impressão de ser coisa de outro planeta... Deixa isso pra lá. Na sua gata, faça o possível para furo nenhum aparecer. Sejam eles desse ou de outro planeta, mantenha sua gata intacta.
Se quiser se confundir com tudo o que eu escrevi aí em cima, tudo bem, fique à vontade, mas nunca se confunda com essa diferença, isto sim é muito importante: mantenha sua gata intacta.

Agora lembre-se: se a sua vida no futuro te levar por caminhos onde você não vai ter tempo de lavar suas roupas à mão, dificilmente você terá tempo de dar um bom banho na sua gata. Meu irmão Ju Bahia um dia desses me disse: "Priorize suas prioridades, Thiaguinho." O conselho foi pra mim, mas eu deixo ele pra você também, com certeza um dia você vai precisar dele.
E vai logo comprar uma boa barra de sabão de coco e esfregar umas cuecas! Bom, quando você começar a usar cuecas, faça isso. Vai ser bom, vai te motivar a não cagar nas calças também.

Deixo você com uma velha canção lá de 68 chamada Panis et Circensis. Composição dos baianos Caetano e Gil, interpretação: Os Mutantes. 
Essa pedrada psicodélica mostra que desde 68 "as pessoas da sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer".




Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo!



Não só das famosas bandeirinhas coloridas (prayer flags) é feito o visual dos telhados em Kathmandu.


Extra: lavando sua roupa ao ar livre, debaixo do sol escaldante, além de queimar calorias, você ainda faz a manutenção da sua morenice. Na índia eles querem se clarear acham que quanto menos moreno melhor, mas convenhamos, um corpo devidamente bronzeado é bem mais interessante.

Extra 2: pra quem anda a espera da frente fria sei lá por qual motivo, existe um tal de banho gelado que é uma coisa incrível que não vai ajudar na sua morenice, mas pode também queimar muitas calorias.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

As pipas e a experiência de quase morte




Antônio,

Eu ia escrever um post dizendo que a lição era pra você nunca ficar doente, como eu costumo fazer, mas aí lembrei que você é filho do seu pai. Ele, além de estrear a enfermaria da EFOMM, uns anos mais tarde teve lá sua foto com nome na moldura do funcionário do mês, ele passava mais tempo lá que os enfermeiros.
E além do mais, fiquei doente.

Tudo começou em Pushkar, era o dia do Festival de Pipas!!! Um dos maiores do Rajastão.
Eram umas cinco e meia da manhã e já tinha uma música rolando e a criançada (incluindo vários adultos) já tomava conta das lajes e terraços com suas pipas no alto colorindo o céu do deserto.
Eles estavam prontos bem antes de clarear e foi dia de pipa.

A molecada entregando pipas para a molecada de 30 e poucos.

Além dos pipeiros empinando suas pipas tinham também os "pegadores de pipa" (?), que corriam atrás das pipas voadas por toda a cidade. Eu sou bem melhor nessa categoria, que é considerada por muitos uma arte menor, o que não é verdade. Perdoe-me pois me falta até o vocabulário pipeiro, meu talento é quase nulo para esta arte milenar.
Eu queria mais uma vez representar o meu país num evento internacional. Representei. Minha participação foi bem pífia, é verdade, mas minha entrega foi maciça, entreguei até a saúde.
O ar empoeirado e seco do deserto podem também ter tido alguma participação nessa armação para me derrubar. Nesse dia também teve muita fumaça, um dia inteiro de fumaça.

Belo trabalho correndo atrás das pipas voadas.

No dia seguinte, uma sexta-feira eu acordei meio mal, nada preocupante, uma tosse chata. Bom, chata pra mim, que tossia o dia inteiro. Os dias passaram e a tosse seguia, logo vieram uns calafrios, e minha temperatura desregulou, fiquei mal. As meninas logo se preocuparam, uma mulher francesa (que eu nem sei o nome até agora) me viu mal e veio me aconselhar, me mandou tomar logo alguma droga, ela me sugeriu paracetamol e ibuprofeno, mas você sabe que não é pra tomar essas duas juntas, comecei a tomar paracetamol. A temperatura em Pushkar oscilava bastante com o passar do dia, ao meio-dia muito calor, no pôr-do-sol muito frio, nada parecia estar a meu favor. Fiquei derrubado, de cama, fraco. Se não fossem as meninas que estavam comigo eu teria passado uma experiência realmente traumática. Enquanto eu estava doente, elas me levaram chá e sopa na cama, controlaram minha temperatura, se eu estava tomando o remédio direito, se eu estava melhorando, tudo. As mulheres tem esse instinto para cuidar de nós, pobres homens moribundos, é algo inerente da mulher, um instinto maternal, talvez. O que eu acho lindo, as mulheres são mesmo espetaculares.

Acabou que já fazia mais de uma semana que eu não estava bem, tinha altos e baixos, mas não melhorava de uma vez, tive que ir no médico. No médico! Nessa altura eu já sabia o que eu tinha devido à consultas a um guia médico de viagem de uma amiga e tinha acabado de começar a tomar antibiótico, fui no médico só pra garantir. Ele confirmou tudo e me mandou seguir na amoxicilina. Foi aí que eu comecei a me recuperar totalmente. Agora já estou sendo incrível outra vez, esta sim é a melhor opção.

Seriedade acima de tudo.

Às vezes, porém, o corpo perece e caímos doentes, aconteceu comigo e vai acontecer com você, é inevitável. O importante é estar bem preparado para quando esse dia chegar. Agora pra você é muito fácil, você tem a sua mãe que vive por você o tempo todo. Essa será sua melhor opção sempre, pra cuidar de um filho doente elas fazem de tudo. Daqui uns anos, você vai conhecer outras mulheres que também vão querer cuidar de você e no dia que você cair doente são elas que você vai procurar, não mais a mamãe. Então, seja safo, fique doente quando você tiver a sua gata por perto pra cuidar de você, pra te fazer um chá pra te esquentar de manhã depois de te esquentar toda a noite com um abraço infinito. Ver a cara de preocupação que ela vai fazer já te faz melhorar! Com a sua gata por perto você vai quase gostar de estar doente.
Seja mais esperto que eu que resolvi ficar doente no deserto indiano e sem trazer uma gata comigo, apenas meia dúzia de remédios (que uma AMIGA me aconselhou sabiamente). Muito mal planejado, mas meu time de apoio, as minhas amigas de viagem, assumiu essa tarefa e cumpriu a missão, estou ótimo.

Portanto, com esse post você preste a atenção, além de só ficar doente com a namorada por perto, procure outro mestre de pipas.
Não esqueça bom mesmo é não ficar doente, já damos trabalho demais para nossas mulheres enquanto sãos.

Aproveita e escuta essa versão do Caetano para a famosa Help dos Beatles. Ilustra bem bem como eu me sentia nos meus delírios à beira da morte (sempre que ficamos doentes estamos à beira da morte). É bem mais depressiva que a animada versão original, ótima para moribundos longe de casa. E o violão é super bonito.



Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo!

Foi dia de pipa.


sexta-feira, 11 de março de 2016

Let it go!

Eu e o meu primeiro boneco de neve, Ushuaia, Argentina.

Antônio,

Aqui na Índia, em vários lugares rola um lance com filmes, os hotéis, pousadas ou seja lá como você os chame, costumam passar um filme à noitinha. Coincidência ou não, todos (mesmo em cidades diferentes) às 19:30.
Em Udaipur, por exemplo, todos os hotéis passam o mesmo filme todas as noites no mesmo horário.
O filme? 007 contra Octopussy.
Por que? Porque foi gravado lá, só isso.
Todas as noites em quase qualquer lugar que você for por volta das 19:30 você poderá conferir este clássico com James Bond interpretado por Roger Moore. Aproveita e me conta, eu não vi.

Geralmente estou ocupado fazendo alguma coisa nesse horário, não sei, assisti a poucos filmes durante a viagem.
Em Hampi, um dia, cheguei da rua cansado e morto de fome. Fui direto pra perto da minha cabaninha de barro e telhado de palha, parei no restaurante e sentei pra jantar antes de cair na cama e adivinha só, eram 19:30! O filme estava atrasado, tinha um pessoal pra chegar e estavam segurando o começo. O sucesso da noite era "Frozen". Dei até uma risada pra mim mesmo quando me dei conta. Tanto tempo fugindo desse momento, já tinha até brigado com a minha irmã por causa deste filme, bom, ela brigou comigo devido as minhas críticas duras mesmo sem eu saber nada que se passava na história. É, moleque, eu também consigo ser um idiota, todos conseguimos, uns com menos, outros com mais esforço.
Enfim, me rendi e assisti o filme com toda a atenção devida, até mudei de lugar pra ficar mais perto. Nessa altura da vida estava eu na Índia assistindo um filme de princesa da Disney. Tá aí uma coisa que eu nunca imaginei acontecendo.
Não vou dizer que foi lindo e que no final eu chorei, isso seria uma mentira muito exagerada e ainda ia me dar tanto trabalho inventar tudo que é melhor contar a verdade mesmo. E a verdade é que eu gostei do filme, achei bem interessante.

Tem magia, duas princesas, um príncipe, um cara que não é príncipe, aventura, tensão, intrigas, reviravoltas e amor, é claro. Os clichês param por aí.
Além disso tem também um boneco de neve falante, um alce, frio, neve, gelo e trolls.

Ele se passa numa cidade fria do norte da Europa, num reino fictício que se chama Arendal. Os personagens têm nomes nórdicos me fazendo lembrar de tantos amigos escandinavos que eu conheci pelos sete mares.

Duas irmãs que foram criadas juntas, debaixo do mesmo teto e comeram da mesma comida se tornaram mulheres muito diferentes. E eu não estou falando da cor do cabelo. São diferenças ideológicas, diferenças profundas, o que, na minha opinião é incrível e mostra que cada mulher é um universo único, cada uma tem a sua própria natureza.
Além disso ele trata do amor de uma maneira muito mais ampla, não é só aquela baboseira de príncipe encantado e "… viveram felizes para sempre!”. Ele fala do amor entre irmãos, do amor pelo povo e pelo reino de Arendal, do amor pela família (ainda que sua família seja uma rena ou trolls) e do amor pelo meu querido verão.

Além disso as referências ao mundo nórdico norueguês também são várias, o que, pra mim é um ponto positivo e o deixa mais engraçado.
O patriotismo forte que salta aos olhos se nota durante todo o filme.

Os TROLLS participam da história, eles que são personagens importantes do folclore norueguês, como se fossem o nosso Saci. Porém, ao contrário do nosso Saci, eles estão por todos os lados na Noruega em forma de estatuetas ou pelúcias em toda loja de souvenir. Além da presença garantida nos navios noruegueses, pra dar sorte, sabe como é, não basta ser viking, tem que ter superstição.

Um boneco de neve que ama o verão? Piada pronta, pronta e muito boa.
Se um boneco de neve de lá falasse de verdade, é evidente que ele amaria o verão. Você já teve a oportunidade de avistar um norueguês no calor tropical? Já viu como eles se comportam debaixo do sol escaldante? Eles amam o verão, o calor, o sol. Eles são o Olaf.
A Noruega é um país incrível que eu já tive a chance de visitar algumas vezes, há paisagens alucinantes, montanhas, fjords, mas calor e sol só durante dois ou três meses por ano. Tal como o animado Olaf muitos deles também sonham acordados com a chance de ir passar uma temporada no calor tropical aqui do Sudeste Asiático ou mesmo aí do nosso querido Brasil. Só não tenho muita certeza se eles, tal como o Olaf, acham que "há pessoas pelas quais vale a pena derreter", eles preferem posar de vikings sem coração ao invés de boneco de neve fofinho. Cada um na sua.

O Olaf é apenas um dos personagens interessantes.
Tem também a Elsa, uma mulher independente e que sabe o que quer, mas que por conta de um acidente durante a infância foi levada a duvidar de si mesma para manter as aparências de uma sociedade chatíssima. Ela se liberta, porém, de uma maneira explosiva, desencadeando um inverno eterno. Imagina só sair com uma gata dessa, uma mulher livre, como ela mesma diz, WOW!
Ah, eu falei que ela ainda pode congelar as coisas? Ela ainda pode congelar as coisas.

Tem a Ana, irmã da Elsa, uma mulher não menos interessante que sonha noite e dia com um amor pra vida inteira. E que por conta do mesmo acidente teve a memória alterada e busca se reaproximar da irmã mais velha e trazer de volta o verão.

Tem o Príncipe Hans que é como um príncipe encantado, entediante e com um cavalo bonito.

Tem também o Kristoff que é outro personagem muito bom, engraçado e engenhoso. Pra começar, ele vende gelo no Polo Norte. GELO! NO POLO NORTE! Isso não é pra qualquer um. Quem vende gelo no Polo Norte é do mesmo tipo de gente que tira leite de pedra.
Além desse talento comercial ele tem também um alce, o Sven, que é o meu personagem favorito. Ele é falante e não é. Quando ele fala (ou canta) é o seu dono e melhor amigo Kristoff que faz a dublagem. O que significa que tudo que o Sven fala é, na verdade o Kristoff falando. O Sven é tipo uma voz interior que todos nós homens temos e que sabe de tudo sobre nós apesar de muitas vezes (ou todas) tentarmos ignorá-la. Essa voz sabe das coisas antes de nós. Ele é um alce bem sabido e corajoso. Lembrando que o alce é o animal símbolo da Noruega.

Quando todos esses personagens se misturam a história fica interessante, cheia de suspense e aventura. Na minha opinião não é melhor que "Toy Story” , nenhuma animação é, mas vale a pena ver. Como esse outro que eu citei, também não é um filme de menininha, é um filme pra todos os sexos e idades que fala sobre amor e liberdade. Eu altamente recomendo. Então, quando eu estiver por aí nós podemos assistí-lo juntos e no final ainda cantar a música tema bem alto na varanda, só temos que tomar um pouco de cuidado, da última vez que estávamos cantando "Let it go” lá em Barcelona, o vizinho, o glorioso Seu Daniel, bateu na porta pra reclamar. É muita emoção envolvida na hora do refrão.
O filme é bem legal, então "let it go" esse preconceito, caso você tenha (eu tinha), e seja mais um fã desse filme.





Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!

Obs: assisti ao filme apenas uma vez já há algum tempo e enquanto escrevia este post escutei "Let it go" 7 vezes.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Don't worry, be Hampi!



Antônio,

Depois de uma noite inteira e mais metade do dia viajando de ônibus em ônibus, eu finalmente cheguei na mágica Hampi! Uma cidade que todos que haviam cruzado o meu caminho até então me disseram que eu tinha que conhecer. Fui lá, então.
Uma felicidade instantânea logo me invadiu ao pisar naquele chão de terra batida, que era igual aos outros chãos que eu andava pisando, mas meus chinelos estavam mais à vontade.
Ao descer do ônibus fui caminhando por uma rua muito larga que dava de cara num super templo que naquele sol ficava ainda mais bonito! A mochila nem pesava nas costas, caminhar só me fazia bem e segui até o rio, onde um barquinho de madeira me levou até a outra margem.

O templo já no primeiro olhar.

Lá chegando minha alegria só aumentava, as pessoas que eu via me alegravam, o calor me esquentava e isso era bom. Descolei um lugar pra ficar relativamente barato (300rs) que era uma cabana de barro bem simples, com telhado de palha, uma cama de alvenaria e um cortinado para me proteger dos mosquitos, um colchão horrível e nada mais. Eu estava super feliz com minha casa nova na beira do rio. Nessas horas você percebe o que realmente precisa e uma cabana de barro muitas vezes é mais que o suficiente.

Minha cabaninha azul de porta aberta. 

Depois de devidamente alojado fui dar umas bandas para explorar a cidadezinha e comer alguma coisa depois da longa viagem. Logo encontrei um casal de franceses conhecidos que me indicou um restaurante. Segui meu caminho bem devagar, olhando tudo e todos, descobrindo um mundo novo a cada passo. Foi em Hampi que eu pude ver os campos de arroz de perto, eu pude andar nos campos de arroz, você sabe o que é isso? Sonho realizado, malandro! Que paz era caminhar pelos campos de arroz ao amanhecer.

Arroz, pedra e coqueiro, cada ingrediente na medida certa.

Não era só isso, algo acontece em Hampi, pode ser uma coisa do tal sul da Índia, não consegui descobrir.

Só posso te dizer que tem uma certa magia.
As gatas com seus vestidos de alcinha. . . Depois de tanto tempo no frio do norte eu já nem me lembrava direito de como eram os ombros femininos. E que gatas! Todas as mulheres que eu vi naquela cidade eram lindas, lindas, todas. Cada uma no seu estilo, com seu sorriso, todas apaixonantes. Com seus ombros e pernas de fora, mostrando tatuagens antes escondidas, com a pele já queimada pelo sol umas até desfilavam orgulhosas com suas marquinhas de biquini. Nada que se comparasse a uma marquinha de biquini cultivada nas areias cariocas, que há quem diga que até brilham no escuro! Para isso são necessários anos de treinamento, genética privilegiada e certidão de nascimento com RJ escrito em algum lugar, não se ensina, não se aprende. Isso, no entanto, não diminuía em nada a beleza daquelas mulheres com vestidos estampados e botas sujinhas de terra, uma mistura exótica e interessante.

Muitas com os namorados, outras sem.

Poucas com sutiã, muitas sem.

O que me alegra muito, sou fã declarado dos seios livres, acho essa liberdade das mulheres uma coisa incrível. Imagine você, moleque, que as mulheres passam quase dois terços da vida de sutiã, com aquele aparato ali apertando tudo pelo bem da sociedade. Claro que o sutiã é uma coisa que eu também adoro, tem suas funções que eu compreendo e tirar aquele sutiã especial é sempre uma atividade prazerosa. Só acho que seu uso é exagerado, já vi uma gatinha de quatro anos que queria um sutiã de presente de Natal! Não vejo nenhuma função que um sutiã possa desempenhar pra ela, mas ela achava que precisava de um. Tantas outras coisas bem mais legais ela podia querer. Nem sei se o Papai Noel faz sutiã!

As belezas naturais de Hampi, todavia, não dependiam só de loiras, morenas, negras e ruivas desfilando por todos os lados, Hampi é muito mais que isso. Com seus “boulders” espalhados a toda volta, suas montanhas de pedra, seus templos, seus campos de arroz, o rio, o céu azul de dia, estrelado à noite e sua simplicidade conquistam no primeiro olhar.

E Hampi é mágica, vou te contar um truque.

Fui almoçar no restaurante do Smiles e lá conheci um casal que me convidou pra uma jam session, eu disse a única coisa que se pode dizer diante de uma situação dessa: 

“-Partiu!!!"

Nos encontramos na frente da loja de instrumentos musicais do Gali com o resto dos músicos e fomos pro tal lugar onde ia rolar a jam. Ninguém sabia direito onde era ou o que era. Eu, que nem músico sou, estava indo também, todos rumo ao desconhecido. Ao chegar no tal pico foi simplesmente alucinante. Um lugar incrível, no meio do mato, cercado de vida selvagem. Fomos para uma caverna, mas não era qualquer caverna, era uma caverna com piscina e vista pro sol nascente. Uma parte era natural outra parte era construída. Era indecente. Uma afronta. Nosso anfitrião, Bobby se apresentou, nos deu as boas vindas e cerveja liberada (tinha água e refrigerante também, mas quem se importa?). A música começou. Com o tempo, conversando com o nosso anfitrião que nos oferecia o lugar, bebida e comida só porque ele ama música, descobrimos que ele é um ricaço que além de ser dono de uma boa parte de Hampi tem terras em vários outros lugares. Ele é um amante da natureza e tem vários projetos de proteção do meio-ambiente, proteção de animais em extinção, um cara super interessante. 

A tal da jam session rolando.

O tempo foi passando e a música parou para assistirmos ao pôr-do-sol de cima da pedra. . . Logo a música foi retomada. 
Eventualmente o Bobby nos ofereceu um jantar, éramos umas 20 pessoas e tinha comida pra todo mundo, eu até repeti, estava delicioso! A noite caiu e grande parte dos convidados foi embora, ficamos seis. Bobby, então nos convidou pra passar a noite por lá, ele insistiu, tinha lugar pra todo mundo, sem problemas. Ficamos. Ele fez questão de nos mostrar onde ficaríamos pessoalmente, pulamos no seu jipe e seguimos pela escuridão. Ele dirigiu pela estrada subindo e descendo, atravessou um lago e chegamos na primeira parada, o castelo. Depois fomos num outro lugar e mais um outro. Cada um mais incrível que o outro. Todos os quartos com banheiros enormes, camas confortáveis, coisa fina. Cada dupla pegou um quarto e fomos dormir.
Eu estava numa casinha na beira de um laguinho. Acordei a tempo de ver o sol nascer de cima do telhado, fiz umas saudações ao sol e estava pronto pra começar o dia. Logo aparece a Ann que é uma amiga do Bobby que estava na jam conosco. Ela me convidou pra ir nadar numa piscina natural, o que mais eu poderia dizer? 

“-Partiu!!!”

Tomei um banho naquela água morna com o sol nascente ainda tomando força e depois fui tomar café-da-manhã. Tudo por conta da casa. A Ann me levou ainda pra dar uma volta pela propriedade e que propriedade! De dia era ainda mais impressionante, vendo tudo de perto, WOW! Uma beleza de Hampi escondida, dentro de uma propriedade particular, um hotel, um resort para uns poucos abonados do Ocidente.
No fim das contas eu estava pagado 300rs pela minha cabana simples e passei a noite num super quarto de resort que custava uns 10.000rs por noite. O mais engraçado é que quem se hospeda lá não conhece nem metade do que eu conheci, sem falar na experiência da jam session que dinheiro nenhum compra. Mais magia que isso não dá.

Há quem diga ainda que eu conheci o meu tatuador em Hampi, um australiano maluco que vendeu tudo que tinha e está procurando um lugar mais interessante pra morar. Ele tem um estilo interessante com sua agulha de bambu e estamos trabalhando num design.
Aparentemente nossos caminhos se cruzarão daqui uns meses.

Acho que foi isso, moleque, Hampi foi um máximo, só fui embora porque eu tinha que ir ver o mar. A água salgada que corre nas minhas veias já estava secando.
Portanto, vá a Hampi! Vá com a sua gata (com ou sem sutiã), vá solteiro, arrume uma gata por lá, não arrume ninguém, mas vá! Não importa. A magia vai te tomar de assalto e Hampi te conquistará assim como conquistou tantos outros, assim como me conquistou. Não esqueça de dar um pulo na loja de música do Gali, vai que é dia de jam session.

Assim terminavam os dias em Hampi.

Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!

Comida pra quem é de comida (ou peregrinação espiritual para abrir o apetite)

Antônio,

Depois de Agra era hora de um turismo espiritual, isso aqui é a Índia, afinal! Fui parar em Mathura, onde, reza a lenda, Lord Krishna veio ao mundo. Passei a noite lá para cedo pela manhã ir visitar o templo que foi construído no local do seu nascimento. Bom, o templo original foi destruído muito tempo atrás e no seu lugar foi erguida uma mesquita enorme. Hoje, ao lado da mesquita, há um outro templo hindu em homenagem a Krishna, o que eu fui visitar.
Chegando lá não era permitido entrar quase nada, nenhum eletrônico, mochila, a segurança era mais restrita que no Taj Mahal. Ao entrar logo percebi que todo o complexo era mais bem guardado que muito quartel por aí. Achei isso bem triste, era pra ser um lugar de adoração e celebração, é um templo religioso afinal, mas me lembrava mais uma guerra. Foi bastante estranho caminhar no meio de devotos com flores e, ao mesmo tempo, no meio de soldados com fuzis. Essa perspectiva foi interessante, porém.

Terminando minha visita, era hora de seguir para Vrindavan, que é nada mais nada menos que o quartel general dos famosos "Hare Krishna"! E além disso mais uma cidade sagrada onde há milhões de templos de todos os tamanhos, cores e para todos os gostos. O principal e mais famoso é o ISKCON Temple, sede da Internationanal Society for Krishna Conciousness. Um templo super bonito e bem cuidado onde o Guru A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada está sepultado e devotos de todos os cantos do mundo vão prestar o seu respeito e meditar na presença do mestre. Outra coisa interessante que acontece por lá é o kirtan infinito, 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem parar. Sempre está rolando o famoso Maha mantra que diz:

“Hare Krishna Hare Krishna
 Krishna Krishna Hare Hare
 Hare Rama Hare Rama
 Rama Rama Hare Hare”


ISKCON Temple


O que é muito legal e que gera uma energia super boa e aconchegante.


Não havia muito o que fazer em Vrindavan além de visitar templos, ler, escrever, meditar, essas coisas. Havia uma coisa, porém, a prarika, que é uma rota feita tradicionalmente a pé de uns 12 km onde você é conduzido pelos templos mais importantes, passa na margem do sagrado Rio Yamuna (o mesmo que passa ao lado do Taj Mahal) e é feita quase que exclusivamente por peregrinos. Eu fui fazer essa tal caminhada, sempre quis saber como era a sensação de ser um peregrino e posso te dizer, é boa.
Fui todo paramentado, com minha mochilinha de ataque cheia de coisas que eu não precisava, mas fazia parte carregar um peso extra para meio que aumentar o sacrifício. Devia ser um pouco antes das 11 da manhã quando eu comecei, meu ponto de partida que seria o mesmo da chagada foi o ISKCON Temple, fazia um sol de rachar. Apesar de estar caminhando nessas condições eu não suava, o ar era seco, mais que em Brasília, em vez de ter o corpo tomado de suor, o meu corpo se cobriu de pó. Sem humidade, era tudo que restava.
O clima desértico não diminuía a minha motivação, eu seguia adiante. Eu estava de tênis, razoavelmente confortável, mas muitos que eu encontrei pelo caminho iam descalços, o que é bastante comum nos arredores de lugares de peregrinação aqui na Índia. Fui no meu passinho, passeando, sem pressa de chegar, ora parava num templo, ora noutro.
Num dado momento fui visitar um templo perto da beira do rio. 

Assim era a entrada do templo.

Cruzei o portal e logo vi um monte de gente espalhada pelo pátio que era bem grande. Entrei, dei uma olhada pelo pátio e vi que eles estavam se organizando para alguma coisa, logo eles começaram a sentar no chão com as pernas cruzadas e enfileirados. Também percebi que tinha uma separação entre pessoas normais e os sadhus (homens santos que escolhem uma vida de renúncia e vivem como ascéticos).
Fiquei especulando na minha cabeça o que estava prestes a acontecer e cheguei a duas opções, ou era uma benção de um guru ou homem santo que passaria por cada uma das fileiras ou era o almoço. Fiquei um pouco mais e deduzi que era o almoço, é comum em vários templos que se ofereça comida grátis. Eu que não estava com muita fome e também não sabia se podia ficar me adiantei para o portão, chegando lá fui praticamente impedido de sair, um senhorzinho de uma perna só me falou que era almoço e que eu devia ficar. Pelo menos menos foi isso que eu entendi, afinal ele quase não falava uma palavra que pertencesse ao meu vocabulário. Devido a esse fato, tive que ficar. Me sentei numa fileira e esperei.
Pouco tempo depois percebo uma movimentação, logo recebi meu prato. E o prato era lindo, era feito apenas de folhas secas costuradas com uns raminhos formando um prato redondo quase do tamanho de uma bandeja de garçom.


O prato era assim, lindo. Foto: Wikipedia

Ele me foi jogado no chão bem na minha frente, igual foi feito com todas as outras pessoas que lá estavam. O serviço seguia a todo vapor e logo veio o pão e o curry que era de batatas e mais umas coisas que até agora eu não sei. Era engraçado, tudo era jogado no pratinho, lembre-se que os pratos estavam todos no chão e os homens que nos serviam estavam de pé. Prato feito eu fiquei aguardando os outros, não sabia se podia começar a comer e quando todos começaram, comecei também. A comida não era ruim, era boa, o pão era meio estranho pra mim. Todos comiam com uma vontade de dar gosto e eu ali com aquele prato cheio de comida quase me desesperando sem saber se eu ia dar conta. Eu não queria decepcionar meus anfitriões, foi aí que eu lembrei da Carolina, minha companheira de tantos almoços em Barcelona que nunca deixou nenhum grão de arroz no prato no final da refeição. Pensei no que ela faria e fiz, ou seja, comi como se não houvesse amanhã! Comi e comi. O serviço continuava, tinha mais comida, me colocaram mais curry, mais pão, veio um troço que eu não faço idéia do que era e ainda tinha um yogurt de sobremesa. Segui na minha levada e fui comendo, umas pessoas já terminavam e meu prato lotado de comida, mas nada me abalava.


As pessoas foram levantando e os macacos vieram se aproximando em busca dos restos. Quanto mais gente saia, mais macaco chegava, logo eu estava cercado de macacos. Uns locais tomavam conta e iam espantando um macaco aqui, outro ali e eu sentadinho com minhas pernas cruzadas aproveitando meu almoço. Eu tinha que ficar de olho nos macacos, os de Vrindavan eram os piores que eu já tinha visto, além da comida eles podiam pegar minha mochila. Eu estava de olho num grupo que se aproximava pelas minhas costas quando veio um macaco ligeiro e pegou a comida da minha mão!!! Nada demais, nessa hora eu já estava quase acabando e ao olhar em volta ainda tinha um velhinho comendo, mas eu não ia deixar ele tirar o meu prêmio de ser o último, logo ele desistiu da competição e me deixou comendo só. Com muito orgulho eu comi tudo, não sobrou nada, só o prato. Me levantei satisfeito comigo mesmo e provavelmente com a barba e a cara toda cagada, o que também me lembra a Carolina depois do almoço, sem a barba, é claro.
Seja como a Carolina, moleque, coma tudo, fique todo cagado se preciso for, mas não desperdice comida. Lembre-se que aproximadamente 30% de toda a comida produzida no mundo vai pro lixo, pro lixo! Muitas vezes mesmo antes de chegar num prato de folhas secas na índia ou de louça na sua casa. Não ajude a aumentar esse número. É melhor fazer um prato pequeno e repetir que fazer um prato enorme e não dar conta. Nenhum anfitrião ficará ofendido quando você quiser repetir o almoço, muito pelo contrário, eu fico sempre feliz quando meus convidados repetem, é sinal que a comida ficou boa. Se ficou qualquer dúvida, um dia eu te levo pra almoçar com a Carolina e você pergunta tudo pessoalmente.


A cachorrada sempre alerta depois do almoço.


Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!