quarta-feira, 2 de março de 2016

Comida pra quem é de comida (ou peregrinação espiritual para abrir o apetite)

Antônio,

Depois de Agra era hora de um turismo espiritual, isso aqui é a Índia, afinal! Fui parar em Mathura, onde, reza a lenda, Lord Krishna veio ao mundo. Passei a noite lá para cedo pela manhã ir visitar o templo que foi construído no local do seu nascimento. Bom, o templo original foi destruído muito tempo atrás e no seu lugar foi erguida uma mesquita enorme. Hoje, ao lado da mesquita, há um outro templo hindu em homenagem a Krishna, o que eu fui visitar.
Chegando lá não era permitido entrar quase nada, nenhum eletrônico, mochila, a segurança era mais restrita que no Taj Mahal. Ao entrar logo percebi que todo o complexo era mais bem guardado que muito quartel por aí. Achei isso bem triste, era pra ser um lugar de adoração e celebração, é um templo religioso afinal, mas me lembrava mais uma guerra. Foi bastante estranho caminhar no meio de devotos com flores e, ao mesmo tempo, no meio de soldados com fuzis. Essa perspectiva foi interessante, porém.

Terminando minha visita, era hora de seguir para Vrindavan, que é nada mais nada menos que o quartel general dos famosos "Hare Krishna"! E além disso mais uma cidade sagrada onde há milhões de templos de todos os tamanhos, cores e para todos os gostos. O principal e mais famoso é o ISKCON Temple, sede da Internationanal Society for Krishna Conciousness. Um templo super bonito e bem cuidado onde o Guru A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada está sepultado e devotos de todos os cantos do mundo vão prestar o seu respeito e meditar na presença do mestre. Outra coisa interessante que acontece por lá é o kirtan infinito, 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem parar. Sempre está rolando o famoso Maha mantra que diz:

“Hare Krishna Hare Krishna
 Krishna Krishna Hare Hare
 Hare Rama Hare Rama
 Rama Rama Hare Hare”


ISKCON Temple


O que é muito legal e que gera uma energia super boa e aconchegante.


Não havia muito o que fazer em Vrindavan além de visitar templos, ler, escrever, meditar, essas coisas. Havia uma coisa, porém, a prarika, que é uma rota feita tradicionalmente a pé de uns 12 km onde você é conduzido pelos templos mais importantes, passa na margem do sagrado Rio Yamuna (o mesmo que passa ao lado do Taj Mahal) e é feita quase que exclusivamente por peregrinos. Eu fui fazer essa tal caminhada, sempre quis saber como era a sensação de ser um peregrino e posso te dizer, é boa.
Fui todo paramentado, com minha mochilinha de ataque cheia de coisas que eu não precisava, mas fazia parte carregar um peso extra para meio que aumentar o sacrifício. Devia ser um pouco antes das 11 da manhã quando eu comecei, meu ponto de partida que seria o mesmo da chagada foi o ISKCON Temple, fazia um sol de rachar. Apesar de estar caminhando nessas condições eu não suava, o ar era seco, mais que em Brasília, em vez de ter o corpo tomado de suor, o meu corpo se cobriu de pó. Sem humidade, era tudo que restava.
O clima desértico não diminuía a minha motivação, eu seguia adiante. Eu estava de tênis, razoavelmente confortável, mas muitos que eu encontrei pelo caminho iam descalços, o que é bastante comum nos arredores de lugares de peregrinação aqui na Índia. Fui no meu passinho, passeando, sem pressa de chegar, ora parava num templo, ora noutro.
Num dado momento fui visitar um templo perto da beira do rio. 

Assim era a entrada do templo.

Cruzei o portal e logo vi um monte de gente espalhada pelo pátio que era bem grande. Entrei, dei uma olhada pelo pátio e vi que eles estavam se organizando para alguma coisa, logo eles começaram a sentar no chão com as pernas cruzadas e enfileirados. Também percebi que tinha uma separação entre pessoas normais e os sadhus (homens santos que escolhem uma vida de renúncia e vivem como ascéticos).
Fiquei especulando na minha cabeça o que estava prestes a acontecer e cheguei a duas opções, ou era uma benção de um guru ou homem santo que passaria por cada uma das fileiras ou era o almoço. Fiquei um pouco mais e deduzi que era o almoço, é comum em vários templos que se ofereça comida grátis. Eu que não estava com muita fome e também não sabia se podia ficar me adiantei para o portão, chegando lá fui praticamente impedido de sair, um senhorzinho de uma perna só me falou que era almoço e que eu devia ficar. Pelo menos menos foi isso que eu entendi, afinal ele quase não falava uma palavra que pertencesse ao meu vocabulário. Devido a esse fato, tive que ficar. Me sentei numa fileira e esperei.
Pouco tempo depois percebo uma movimentação, logo recebi meu prato. E o prato era lindo, era feito apenas de folhas secas costuradas com uns raminhos formando um prato redondo quase do tamanho de uma bandeja de garçom.


O prato era assim, lindo. Foto: Wikipedia

Ele me foi jogado no chão bem na minha frente, igual foi feito com todas as outras pessoas que lá estavam. O serviço seguia a todo vapor e logo veio o pão e o curry que era de batatas e mais umas coisas que até agora eu não sei. Era engraçado, tudo era jogado no pratinho, lembre-se que os pratos estavam todos no chão e os homens que nos serviam estavam de pé. Prato feito eu fiquei aguardando os outros, não sabia se podia começar a comer e quando todos começaram, comecei também. A comida não era ruim, era boa, o pão era meio estranho pra mim. Todos comiam com uma vontade de dar gosto e eu ali com aquele prato cheio de comida quase me desesperando sem saber se eu ia dar conta. Eu não queria decepcionar meus anfitriões, foi aí que eu lembrei da Carolina, minha companheira de tantos almoços em Barcelona que nunca deixou nenhum grão de arroz no prato no final da refeição. Pensei no que ela faria e fiz, ou seja, comi como se não houvesse amanhã! Comi e comi. O serviço continuava, tinha mais comida, me colocaram mais curry, mais pão, veio um troço que eu não faço idéia do que era e ainda tinha um yogurt de sobremesa. Segui na minha levada e fui comendo, umas pessoas já terminavam e meu prato lotado de comida, mas nada me abalava.


As pessoas foram levantando e os macacos vieram se aproximando em busca dos restos. Quanto mais gente saia, mais macaco chegava, logo eu estava cercado de macacos. Uns locais tomavam conta e iam espantando um macaco aqui, outro ali e eu sentadinho com minhas pernas cruzadas aproveitando meu almoço. Eu tinha que ficar de olho nos macacos, os de Vrindavan eram os piores que eu já tinha visto, além da comida eles podiam pegar minha mochila. Eu estava de olho num grupo que se aproximava pelas minhas costas quando veio um macaco ligeiro e pegou a comida da minha mão!!! Nada demais, nessa hora eu já estava quase acabando e ao olhar em volta ainda tinha um velhinho comendo, mas eu não ia deixar ele tirar o meu prêmio de ser o último, logo ele desistiu da competição e me deixou comendo só. Com muito orgulho eu comi tudo, não sobrou nada, só o prato. Me levantei satisfeito comigo mesmo e provavelmente com a barba e a cara toda cagada, o que também me lembra a Carolina depois do almoço, sem a barba, é claro.
Seja como a Carolina, moleque, coma tudo, fique todo cagado se preciso for, mas não desperdice comida. Lembre-se que aproximadamente 30% de toda a comida produzida no mundo vai pro lixo, pro lixo! Muitas vezes mesmo antes de chegar num prato de folhas secas na índia ou de louça na sua casa. Não ajude a aumentar esse número. É melhor fazer um prato pequeno e repetir que fazer um prato enorme e não dar conta. Nenhum anfitrião ficará ofendido quando você quiser repetir o almoço, muito pelo contrário, eu fico sempre feliz quando meus convidados repetem, é sinal que a comida ficou boa. Se ficou qualquer dúvida, um dia eu te levo pra almoçar com a Carolina e você pergunta tudo pessoalmente.


A cachorrada sempre alerta depois do almoço.


Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!



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