sexta-feira, 11 de março de 2016

Let it go!

Eu e o meu primeiro boneco de neve, Ushuaia, Argentina.

Antônio,

Aqui na Índia, em vários lugares rola um lance com filmes, os hotéis, pousadas ou seja lá como você os chame, costumam passar um filme à noitinha. Coincidência ou não, todos (mesmo em cidades diferentes) às 19:30.
Em Udaipur, por exemplo, todos os hotéis passam o mesmo filme todas as noites no mesmo horário.
O filme? 007 contra Octopussy.
Por que? Porque foi gravado lá, só isso.
Todas as noites em quase qualquer lugar que você for por volta das 19:30 você poderá conferir este clássico com James Bond interpretado por Roger Moore. Aproveita e me conta, eu não vi.

Geralmente estou ocupado fazendo alguma coisa nesse horário, não sei, assisti a poucos filmes durante a viagem.
Em Hampi, um dia, cheguei da rua cansado e morto de fome. Fui direto pra perto da minha cabaninha de barro e telhado de palha, parei no restaurante e sentei pra jantar antes de cair na cama e adivinha só, eram 19:30! O filme estava atrasado, tinha um pessoal pra chegar e estavam segurando o começo. O sucesso da noite era "Frozen". Dei até uma risada pra mim mesmo quando me dei conta. Tanto tempo fugindo desse momento, já tinha até brigado com a minha irmã por causa deste filme, bom, ela brigou comigo devido as minhas críticas duras mesmo sem eu saber nada que se passava na história. É, moleque, eu também consigo ser um idiota, todos conseguimos, uns com menos, outros com mais esforço.
Enfim, me rendi e assisti o filme com toda a atenção devida, até mudei de lugar pra ficar mais perto. Nessa altura da vida estava eu na Índia assistindo um filme de princesa da Disney. Tá aí uma coisa que eu nunca imaginei acontecendo.
Não vou dizer que foi lindo e que no final eu chorei, isso seria uma mentira muito exagerada e ainda ia me dar tanto trabalho inventar tudo que é melhor contar a verdade mesmo. E a verdade é que eu gostei do filme, achei bem interessante.

Tem magia, duas princesas, um príncipe, um cara que não é príncipe, aventura, tensão, intrigas, reviravoltas e amor, é claro. Os clichês param por aí.
Além disso tem também um boneco de neve falante, um alce, frio, neve, gelo e trolls.

Ele se passa numa cidade fria do norte da Europa, num reino fictício que se chama Arendal. Os personagens têm nomes nórdicos me fazendo lembrar de tantos amigos escandinavos que eu conheci pelos sete mares.

Duas irmãs que foram criadas juntas, debaixo do mesmo teto e comeram da mesma comida se tornaram mulheres muito diferentes. E eu não estou falando da cor do cabelo. São diferenças ideológicas, diferenças profundas, o que, na minha opinião é incrível e mostra que cada mulher é um universo único, cada uma tem a sua própria natureza.
Além disso ele trata do amor de uma maneira muito mais ampla, não é só aquela baboseira de príncipe encantado e "… viveram felizes para sempre!”. Ele fala do amor entre irmãos, do amor pelo povo e pelo reino de Arendal, do amor pela família (ainda que sua família seja uma rena ou trolls) e do amor pelo meu querido verão.

Além disso as referências ao mundo nórdico norueguês também são várias, o que, pra mim é um ponto positivo e o deixa mais engraçado.
O patriotismo forte que salta aos olhos se nota durante todo o filme.

Os TROLLS participam da história, eles que são personagens importantes do folclore norueguês, como se fossem o nosso Saci. Porém, ao contrário do nosso Saci, eles estão por todos os lados na Noruega em forma de estatuetas ou pelúcias em toda loja de souvenir. Além da presença garantida nos navios noruegueses, pra dar sorte, sabe como é, não basta ser viking, tem que ter superstição.

Um boneco de neve que ama o verão? Piada pronta, pronta e muito boa.
Se um boneco de neve de lá falasse de verdade, é evidente que ele amaria o verão. Você já teve a oportunidade de avistar um norueguês no calor tropical? Já viu como eles se comportam debaixo do sol escaldante? Eles amam o verão, o calor, o sol. Eles são o Olaf.
A Noruega é um país incrível que eu já tive a chance de visitar algumas vezes, há paisagens alucinantes, montanhas, fjords, mas calor e sol só durante dois ou três meses por ano. Tal como o animado Olaf muitos deles também sonham acordados com a chance de ir passar uma temporada no calor tropical aqui do Sudeste Asiático ou mesmo aí do nosso querido Brasil. Só não tenho muita certeza se eles, tal como o Olaf, acham que "há pessoas pelas quais vale a pena derreter", eles preferem posar de vikings sem coração ao invés de boneco de neve fofinho. Cada um na sua.

O Olaf é apenas um dos personagens interessantes.
Tem também a Elsa, uma mulher independente e que sabe o que quer, mas que por conta de um acidente durante a infância foi levada a duvidar de si mesma para manter as aparências de uma sociedade chatíssima. Ela se liberta, porém, de uma maneira explosiva, desencadeando um inverno eterno. Imagina só sair com uma gata dessa, uma mulher livre, como ela mesma diz, WOW!
Ah, eu falei que ela ainda pode congelar as coisas? Ela ainda pode congelar as coisas.

Tem a Ana, irmã da Elsa, uma mulher não menos interessante que sonha noite e dia com um amor pra vida inteira. E que por conta do mesmo acidente teve a memória alterada e busca se reaproximar da irmã mais velha e trazer de volta o verão.

Tem o Príncipe Hans que é como um príncipe encantado, entediante e com um cavalo bonito.

Tem também o Kristoff que é outro personagem muito bom, engraçado e engenhoso. Pra começar, ele vende gelo no Polo Norte. GELO! NO POLO NORTE! Isso não é pra qualquer um. Quem vende gelo no Polo Norte é do mesmo tipo de gente que tira leite de pedra.
Além desse talento comercial ele tem também um alce, o Sven, que é o meu personagem favorito. Ele é falante e não é. Quando ele fala (ou canta) é o seu dono e melhor amigo Kristoff que faz a dublagem. O que significa que tudo que o Sven fala é, na verdade o Kristoff falando. O Sven é tipo uma voz interior que todos nós homens temos e que sabe de tudo sobre nós apesar de muitas vezes (ou todas) tentarmos ignorá-la. Essa voz sabe das coisas antes de nós. Ele é um alce bem sabido e corajoso. Lembrando que o alce é o animal símbolo da Noruega.

Quando todos esses personagens se misturam a história fica interessante, cheia de suspense e aventura. Na minha opinião não é melhor que "Toy Story” , nenhuma animação é, mas vale a pena ver. Como esse outro que eu citei, também não é um filme de menininha, é um filme pra todos os sexos e idades que fala sobre amor e liberdade. Eu altamente recomendo. Então, quando eu estiver por aí nós podemos assistí-lo juntos e no final ainda cantar a música tema bem alto na varanda, só temos que tomar um pouco de cuidado, da última vez que estávamos cantando "Let it go” lá em Barcelona, o vizinho, o glorioso Seu Daniel, bateu na porta pra reclamar. É muita emoção envolvida na hora do refrão.
O filme é bem legal, então "let it go" esse preconceito, caso você tenha (eu tinha), e seja mais um fã desse filme.





Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!

Obs: assisti ao filme apenas uma vez já há algum tempo e enquanto escrevia este post escutei "Let it go" 7 vezes.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Don't worry, be Hampi!



Antônio,

Depois de uma noite inteira e mais metade do dia viajando de ônibus em ônibus, eu finalmente cheguei na mágica Hampi! Uma cidade que todos que haviam cruzado o meu caminho até então me disseram que eu tinha que conhecer. Fui lá, então.
Uma felicidade instantânea logo me invadiu ao pisar naquele chão de terra batida, que era igual aos outros chãos que eu andava pisando, mas meus chinelos estavam mais à vontade.
Ao descer do ônibus fui caminhando por uma rua muito larga que dava de cara num super templo que naquele sol ficava ainda mais bonito! A mochila nem pesava nas costas, caminhar só me fazia bem e segui até o rio, onde um barquinho de madeira me levou até a outra margem.

O templo já no primeiro olhar.

Lá chegando minha alegria só aumentava, as pessoas que eu via me alegravam, o calor me esquentava e isso era bom. Descolei um lugar pra ficar relativamente barato (300rs) que era uma cabana de barro bem simples, com telhado de palha, uma cama de alvenaria e um cortinado para me proteger dos mosquitos, um colchão horrível e nada mais. Eu estava super feliz com minha casa nova na beira do rio. Nessas horas você percebe o que realmente precisa e uma cabana de barro muitas vezes é mais que o suficiente.

Minha cabaninha azul de porta aberta. 

Depois de devidamente alojado fui dar umas bandas para explorar a cidadezinha e comer alguma coisa depois da longa viagem. Logo encontrei um casal de franceses conhecidos que me indicou um restaurante. Segui meu caminho bem devagar, olhando tudo e todos, descobrindo um mundo novo a cada passo. Foi em Hampi que eu pude ver os campos de arroz de perto, eu pude andar nos campos de arroz, você sabe o que é isso? Sonho realizado, malandro! Que paz era caminhar pelos campos de arroz ao amanhecer.

Arroz, pedra e coqueiro, cada ingrediente na medida certa.

Não era só isso, algo acontece em Hampi, pode ser uma coisa do tal sul da Índia, não consegui descobrir.

Só posso te dizer que tem uma certa magia.
As gatas com seus vestidos de alcinha. . . Depois de tanto tempo no frio do norte eu já nem me lembrava direito de como eram os ombros femininos. E que gatas! Todas as mulheres que eu vi naquela cidade eram lindas, lindas, todas. Cada uma no seu estilo, com seu sorriso, todas apaixonantes. Com seus ombros e pernas de fora, mostrando tatuagens antes escondidas, com a pele já queimada pelo sol umas até desfilavam orgulhosas com suas marquinhas de biquini. Nada que se comparasse a uma marquinha de biquini cultivada nas areias cariocas, que há quem diga que até brilham no escuro! Para isso são necessários anos de treinamento, genética privilegiada e certidão de nascimento com RJ escrito em algum lugar, não se ensina, não se aprende. Isso, no entanto, não diminuía em nada a beleza daquelas mulheres com vestidos estampados e botas sujinhas de terra, uma mistura exótica e interessante.

Muitas com os namorados, outras sem.

Poucas com sutiã, muitas sem.

O que me alegra muito, sou fã declarado dos seios livres, acho essa liberdade das mulheres uma coisa incrível. Imagine você, moleque, que as mulheres passam quase dois terços da vida de sutiã, com aquele aparato ali apertando tudo pelo bem da sociedade. Claro que o sutiã é uma coisa que eu também adoro, tem suas funções que eu compreendo e tirar aquele sutiã especial é sempre uma atividade prazerosa. Só acho que seu uso é exagerado, já vi uma gatinha de quatro anos que queria um sutiã de presente de Natal! Não vejo nenhuma função que um sutiã possa desempenhar pra ela, mas ela achava que precisava de um. Tantas outras coisas bem mais legais ela podia querer. Nem sei se o Papai Noel faz sutiã!

As belezas naturais de Hampi, todavia, não dependiam só de loiras, morenas, negras e ruivas desfilando por todos os lados, Hampi é muito mais que isso. Com seus “boulders” espalhados a toda volta, suas montanhas de pedra, seus templos, seus campos de arroz, o rio, o céu azul de dia, estrelado à noite e sua simplicidade conquistam no primeiro olhar.

E Hampi é mágica, vou te contar um truque.

Fui almoçar no restaurante do Smiles e lá conheci um casal que me convidou pra uma jam session, eu disse a única coisa que se pode dizer diante de uma situação dessa: 

“-Partiu!!!"

Nos encontramos na frente da loja de instrumentos musicais do Gali com o resto dos músicos e fomos pro tal lugar onde ia rolar a jam. Ninguém sabia direito onde era ou o que era. Eu, que nem músico sou, estava indo também, todos rumo ao desconhecido. Ao chegar no tal pico foi simplesmente alucinante. Um lugar incrível, no meio do mato, cercado de vida selvagem. Fomos para uma caverna, mas não era qualquer caverna, era uma caverna com piscina e vista pro sol nascente. Uma parte era natural outra parte era construída. Era indecente. Uma afronta. Nosso anfitrião, Bobby se apresentou, nos deu as boas vindas e cerveja liberada (tinha água e refrigerante também, mas quem se importa?). A música começou. Com o tempo, conversando com o nosso anfitrião que nos oferecia o lugar, bebida e comida só porque ele ama música, descobrimos que ele é um ricaço que além de ser dono de uma boa parte de Hampi tem terras em vários outros lugares. Ele é um amante da natureza e tem vários projetos de proteção do meio-ambiente, proteção de animais em extinção, um cara super interessante. 

A tal da jam session rolando.

O tempo foi passando e a música parou para assistirmos ao pôr-do-sol de cima da pedra. . . Logo a música foi retomada. 
Eventualmente o Bobby nos ofereceu um jantar, éramos umas 20 pessoas e tinha comida pra todo mundo, eu até repeti, estava delicioso! A noite caiu e grande parte dos convidados foi embora, ficamos seis. Bobby, então nos convidou pra passar a noite por lá, ele insistiu, tinha lugar pra todo mundo, sem problemas. Ficamos. Ele fez questão de nos mostrar onde ficaríamos pessoalmente, pulamos no seu jipe e seguimos pela escuridão. Ele dirigiu pela estrada subindo e descendo, atravessou um lago e chegamos na primeira parada, o castelo. Depois fomos num outro lugar e mais um outro. Cada um mais incrível que o outro. Todos os quartos com banheiros enormes, camas confortáveis, coisa fina. Cada dupla pegou um quarto e fomos dormir.
Eu estava numa casinha na beira de um laguinho. Acordei a tempo de ver o sol nascer de cima do telhado, fiz umas saudações ao sol e estava pronto pra começar o dia. Logo aparece a Ann que é uma amiga do Bobby que estava na jam conosco. Ela me convidou pra ir nadar numa piscina natural, o que mais eu poderia dizer? 

“-Partiu!!!”

Tomei um banho naquela água morna com o sol nascente ainda tomando força e depois fui tomar café-da-manhã. Tudo por conta da casa. A Ann me levou ainda pra dar uma volta pela propriedade e que propriedade! De dia era ainda mais impressionante, vendo tudo de perto, WOW! Uma beleza de Hampi escondida, dentro de uma propriedade particular, um hotel, um resort para uns poucos abonados do Ocidente.
No fim das contas eu estava pagado 300rs pela minha cabana simples e passei a noite num super quarto de resort que custava uns 10.000rs por noite. O mais engraçado é que quem se hospeda lá não conhece nem metade do que eu conheci, sem falar na experiência da jam session que dinheiro nenhum compra. Mais magia que isso não dá.

Há quem diga ainda que eu conheci o meu tatuador em Hampi, um australiano maluco que vendeu tudo que tinha e está procurando um lugar mais interessante pra morar. Ele tem um estilo interessante com sua agulha de bambu e estamos trabalhando num design.
Aparentemente nossos caminhos se cruzarão daqui uns meses.

Acho que foi isso, moleque, Hampi foi um máximo, só fui embora porque eu tinha que ir ver o mar. A água salgada que corre nas minhas veias já estava secando.
Portanto, vá a Hampi! Vá com a sua gata (com ou sem sutiã), vá solteiro, arrume uma gata por lá, não arrume ninguém, mas vá! Não importa. A magia vai te tomar de assalto e Hampi te conquistará assim como conquistou tantos outros, assim como me conquistou. Não esqueça de dar um pulo na loja de música do Gali, vai que é dia de jam session.

Assim terminavam os dias em Hampi.

Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!

Comida pra quem é de comida (ou peregrinação espiritual para abrir o apetite)

Antônio,

Depois de Agra era hora de um turismo espiritual, isso aqui é a Índia, afinal! Fui parar em Mathura, onde, reza a lenda, Lord Krishna veio ao mundo. Passei a noite lá para cedo pela manhã ir visitar o templo que foi construído no local do seu nascimento. Bom, o templo original foi destruído muito tempo atrás e no seu lugar foi erguida uma mesquita enorme. Hoje, ao lado da mesquita, há um outro templo hindu em homenagem a Krishna, o que eu fui visitar.
Chegando lá não era permitido entrar quase nada, nenhum eletrônico, mochila, a segurança era mais restrita que no Taj Mahal. Ao entrar logo percebi que todo o complexo era mais bem guardado que muito quartel por aí. Achei isso bem triste, era pra ser um lugar de adoração e celebração, é um templo religioso afinal, mas me lembrava mais uma guerra. Foi bastante estranho caminhar no meio de devotos com flores e, ao mesmo tempo, no meio de soldados com fuzis. Essa perspectiva foi interessante, porém.

Terminando minha visita, era hora de seguir para Vrindavan, que é nada mais nada menos que o quartel general dos famosos "Hare Krishna"! E além disso mais uma cidade sagrada onde há milhões de templos de todos os tamanhos, cores e para todos os gostos. O principal e mais famoso é o ISKCON Temple, sede da Internationanal Society for Krishna Conciousness. Um templo super bonito e bem cuidado onde o Guru A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada está sepultado e devotos de todos os cantos do mundo vão prestar o seu respeito e meditar na presença do mestre. Outra coisa interessante que acontece por lá é o kirtan infinito, 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem parar. Sempre está rolando o famoso Maha mantra que diz:

“Hare Krishna Hare Krishna
 Krishna Krishna Hare Hare
 Hare Rama Hare Rama
 Rama Rama Hare Hare”


ISKCON Temple


O que é muito legal e que gera uma energia super boa e aconchegante.


Não havia muito o que fazer em Vrindavan além de visitar templos, ler, escrever, meditar, essas coisas. Havia uma coisa, porém, a prarika, que é uma rota feita tradicionalmente a pé de uns 12 km onde você é conduzido pelos templos mais importantes, passa na margem do sagrado Rio Yamuna (o mesmo que passa ao lado do Taj Mahal) e é feita quase que exclusivamente por peregrinos. Eu fui fazer essa tal caminhada, sempre quis saber como era a sensação de ser um peregrino e posso te dizer, é boa.
Fui todo paramentado, com minha mochilinha de ataque cheia de coisas que eu não precisava, mas fazia parte carregar um peso extra para meio que aumentar o sacrifício. Devia ser um pouco antes das 11 da manhã quando eu comecei, meu ponto de partida que seria o mesmo da chagada foi o ISKCON Temple, fazia um sol de rachar. Apesar de estar caminhando nessas condições eu não suava, o ar era seco, mais que em Brasília, em vez de ter o corpo tomado de suor, o meu corpo se cobriu de pó. Sem humidade, era tudo que restava.
O clima desértico não diminuía a minha motivação, eu seguia adiante. Eu estava de tênis, razoavelmente confortável, mas muitos que eu encontrei pelo caminho iam descalços, o que é bastante comum nos arredores de lugares de peregrinação aqui na Índia. Fui no meu passinho, passeando, sem pressa de chegar, ora parava num templo, ora noutro.
Num dado momento fui visitar um templo perto da beira do rio. 

Assim era a entrada do templo.

Cruzei o portal e logo vi um monte de gente espalhada pelo pátio que era bem grande. Entrei, dei uma olhada pelo pátio e vi que eles estavam se organizando para alguma coisa, logo eles começaram a sentar no chão com as pernas cruzadas e enfileirados. Também percebi que tinha uma separação entre pessoas normais e os sadhus (homens santos que escolhem uma vida de renúncia e vivem como ascéticos).
Fiquei especulando na minha cabeça o que estava prestes a acontecer e cheguei a duas opções, ou era uma benção de um guru ou homem santo que passaria por cada uma das fileiras ou era o almoço. Fiquei um pouco mais e deduzi que era o almoço, é comum em vários templos que se ofereça comida grátis. Eu que não estava com muita fome e também não sabia se podia ficar me adiantei para o portão, chegando lá fui praticamente impedido de sair, um senhorzinho de uma perna só me falou que era almoço e que eu devia ficar. Pelo menos menos foi isso que eu entendi, afinal ele quase não falava uma palavra que pertencesse ao meu vocabulário. Devido a esse fato, tive que ficar. Me sentei numa fileira e esperei.
Pouco tempo depois percebo uma movimentação, logo recebi meu prato. E o prato era lindo, era feito apenas de folhas secas costuradas com uns raminhos formando um prato redondo quase do tamanho de uma bandeja de garçom.


O prato era assim, lindo. Foto: Wikipedia

Ele me foi jogado no chão bem na minha frente, igual foi feito com todas as outras pessoas que lá estavam. O serviço seguia a todo vapor e logo veio o pão e o curry que era de batatas e mais umas coisas que até agora eu não sei. Era engraçado, tudo era jogado no pratinho, lembre-se que os pratos estavam todos no chão e os homens que nos serviam estavam de pé. Prato feito eu fiquei aguardando os outros, não sabia se podia começar a comer e quando todos começaram, comecei também. A comida não era ruim, era boa, o pão era meio estranho pra mim. Todos comiam com uma vontade de dar gosto e eu ali com aquele prato cheio de comida quase me desesperando sem saber se eu ia dar conta. Eu não queria decepcionar meus anfitriões, foi aí que eu lembrei da Carolina, minha companheira de tantos almoços em Barcelona que nunca deixou nenhum grão de arroz no prato no final da refeição. Pensei no que ela faria e fiz, ou seja, comi como se não houvesse amanhã! Comi e comi. O serviço continuava, tinha mais comida, me colocaram mais curry, mais pão, veio um troço que eu não faço idéia do que era e ainda tinha um yogurt de sobremesa. Segui na minha levada e fui comendo, umas pessoas já terminavam e meu prato lotado de comida, mas nada me abalava.


As pessoas foram levantando e os macacos vieram se aproximando em busca dos restos. Quanto mais gente saia, mais macaco chegava, logo eu estava cercado de macacos. Uns locais tomavam conta e iam espantando um macaco aqui, outro ali e eu sentadinho com minhas pernas cruzadas aproveitando meu almoço. Eu tinha que ficar de olho nos macacos, os de Vrindavan eram os piores que eu já tinha visto, além da comida eles podiam pegar minha mochila. Eu estava de olho num grupo que se aproximava pelas minhas costas quando veio um macaco ligeiro e pegou a comida da minha mão!!! Nada demais, nessa hora eu já estava quase acabando e ao olhar em volta ainda tinha um velhinho comendo, mas eu não ia deixar ele tirar o meu prêmio de ser o último, logo ele desistiu da competição e me deixou comendo só. Com muito orgulho eu comi tudo, não sobrou nada, só o prato. Me levantei satisfeito comigo mesmo e provavelmente com a barba e a cara toda cagada, o que também me lembra a Carolina depois do almoço, sem a barba, é claro.
Seja como a Carolina, moleque, coma tudo, fique todo cagado se preciso for, mas não desperdice comida. Lembre-se que aproximadamente 30% de toda a comida produzida no mundo vai pro lixo, pro lixo! Muitas vezes mesmo antes de chegar num prato de folhas secas na índia ou de louça na sua casa. Não ajude a aumentar esse número. É melhor fazer um prato pequeno e repetir que fazer um prato enorme e não dar conta. Nenhum anfitrião ficará ofendido quando você quiser repetir o almoço, muito pelo contrário, eu fico sempre feliz quando meus convidados repetem, é sinal que a comida ficou boa. Se ficou qualquer dúvida, um dia eu te levo pra almoçar com a Carolina e você pergunta tudo pessoalmente.


A cachorrada sempre alerta depois do almoço.


Se cuida por aí!

Um beijo do Dindo!