Antônio,
Já é 2017 e eu perdi seu aniversário mais uma vez.
Essa história começa assim: "Vamo velejar?"
Só há uma resposta possível para essa pergunta. Ainda mais quando seu camarada que mora num veleiro te faz essa pergunta.
O Diego e a Georgia são um casal desses que de vez em quando saem no jornal por terem decidido viver de uma maneira não tradicional. Eles moram num veleiro de 32 pés há pouco mais de um ano e seguem velejando até o Caribe. Eles já tiveram várias aventuras, afinal saíram de Florianópolis e já estão em Fortaleza. Uma distância enorme para um barco a vela.
Já fazia mais de 2 anos que eu não saia pra navegar, antes era o meu trabalho, eu sempre ia pro mar, a cada 5 semanas eu estava lá. Essa realidade mudou, minha vida mudou e e eu decidi fazer outras coisas em terra firme e como você bem lembra eu fui viajar. Apesar da minha ligação íntima com o mar, sempre curtindo uma praia, um surf, mergulhos, eu não tinha muita perspectiva de subir a bordo de um barco e sair pra alto mar. Acho que não tinha nenhuma perspectiva...
Eu até já tinha pensado em me inscrever pra uma vaga no barco do Diego, pra fazer uma parte da viagem, voltar a velejar, só que eu não conhecia a Georgia muito bem, portanto eu tinha um certo medo dela. Uma mulher que decide ir morar num veleiro de trinta e dois pés, sair de Floripa e velejar até o Caribe definitivamente não é uma qualquer. Eu não sei das outras veladoras, mas a Georgia é o espírito, o vento e as velas do Unforgettable. Sem ela o barco simplesmente não ia nem flutuar. Hoje já não tenho medo (eu acho), tenho, porém, muito respeito pela força e determinação dessa mulher.
Dei uma super sorte já que os meninos não tinham nenhuma outra opção de tripulante e aceitei o convite antes de saber do que se tratava. Era dia 26 de dezembro quando o Diego mandou a primeira mensagem, dia 28 eu já tinha a passagem comprada. Eu sonhei com uma oportunidade dessas por toda a vida, não fazia muita diferença saber de onde sairíamos ou pra onde íamos, o importante era velejar e isso eu sabia que estava incluído. Logo o Diego me disse que precisava de uma mão de Salvador até Fortaleza porque ia fazer umas pernadas mais compridas, de alguns dias, meus olhos não acreditavam no que liam e meu sonho de fazer travessias oceânicas no pano que andava meio de lado voltava à tona. Eu já estava sentindo um chamado da Bahia e essa foi a gota d'água. Estava decidido, era hora de voltar pro mar, era hora de voltar na Bahia, uma terra de águas quentes e muita magia.
Logo depois da virada do ano, no primeiro dia de 2017 eu estava com um sorriso no rosto depois de sobreviver à Pedra da Gávea e indo pro aeroporto. Depois de 4 meses sem viajar eu estava animado como se fosse a primeira vez, o que de certo modo era. Em Salvador, tenho alguns amigos e fiz a mágica de conseguir encontrar todos em apenas algumas horas de estadia, obrigado Bia, Rodrigo e Gigante pela recepção.
Embarquei na madrugada do dia 3 de Janeiro, o barco estava pronto pra sair e largamos os cabos às 0600, devagar fomos navegando, 3 horas depois passávamos pelo icônico Farol da Barra, que sensação boa foi essa. Já fora de barra, colocamos os panos em cima e começamos nosso velejo. fazia muito tempo que eu não velejava, mas parece que é como andar de bicicleta, nunca se esquece. A viagem começou um pouco dura, logo estávamos molhados dos pés à cabeça velejando de contravento, enfrentando as ondas. Velejar com a bunda molhada não é a atividade mais prazerosa do mundo, mas seguíamos fortes. Logo o vento melhorou, o velejo também, nossas bundas secaram e ganhávamos milhas navegadas, cada vez mais perto do nosso destino. A primeira parada foi em Barra de São Miguel, onde fomos recebidos como convidados de honra. A comunidade náutica é muito hospitaleira e generosa, todos se ajudam sempre, sem pedir nada em troca, pelo simples prazer de ajudar. É bonito participar dessa troca boas energias num tempo onde isso parece estar se perdendo.
Depois de lá seguimos até Cabedelo onde mais uma vez fomos bem recebidos, de lá viemos até Fortaleza, de onde escrevo. A viagem foi ótima, de vento em popa em alguns momentos, na maior parte do tempo de través ou alheta, fizemos algumas avistagens de golfinhos, aves, peixes voadores, jangadas, navios e outros veleiros.
Aqui em Fortaleza chegou o Luigi, que esteve comigo em Bali ano passado, que veio me substituir no barco. Apesar de esse ser o plano inicial, essa substituição não se confirmou, consegui uma extensão no meu contrato e também vou pro Caribe! Quando eu trabalhava esse tipo de extensão do contrato era pior que a morte, na vida real é melhor que sonho bom. Velejar tem tudo que o meu trabalho tinha de bom e nada do que tinha de chato. Estou muito feliz por ter voltado a navegar. E navego com o vento, sem barulho, sem pressa.
Nem tudo são flores nessa viagem. Depois de Salvador, eu gostaria de parar no Recife, tenho outras pessoas que eu queria encontrar por lá. Imagina só a gente entrando barra a dentro ao som do Alceu cantando: "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço!"
Sem contar as cervejas que seriam tomadas junto a pessoas maravilhosas. Isso nunca se realizou. O Diego é o Comandante do barco, ele que manda, ele que decide e ele decidiu não parar em Recife. Tentei de várias maneiras dissuadí-lo, nada adiantou, ele me disse do alto da sua sabedoria que esse pequeno sacrifício seria bom para o fortalecimento da minha fibra moral. Eu retruquei, disse que não seria um pequeno sacrifício, seria enorme. "Ainda melhor para a sua fibra moral" - ele me disse.
Não teve jeito, não parei no Recife, mas minha fibra moral está firme como uma rocha. O grande desafio agora é descobrir como usar essa tal fibra...
Portanto, essa é a história de como eu perdi sua festa de 2 anos. Perdi também a abertura do Carnaval no Rio e os aniversários do Alex e da Marinita. A Má entendeu minhas razões, o Alex também, o Carnaval eu ainda não sei, mas acho que sim. Só falta você dizer que entende, afinal você sabe sonhos precisam ser realizados, oportunidades surgem na nossa frente e precisam ser agarradas como hoje eu agarro as escotas do Unforgettable. Você também tem sonhos, você também quer realizá-los. Enquanto isso, eu acredito que a minha falta na sua grande festa será bom para o fortalecimento da sua fibra moral. Logo nos encontraremos com nossa fibra moral revigorada e eu te levo numa marina pra você conhecer uns veleiros e descobrir que existem outras coisas além dos seu queridos carros. Enquanto isso, vai focando nos seus sonhos, tenha fé, tenha muita fé, que um dia eles se realizarão. Espero que você sonhe com minha presença num aniversário seu e que esse sonho se realize logo.
Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo!
Já é 2017 e eu perdi seu aniversário mais uma vez.
Essa história começa assim: "Vamo velejar?"
Só há uma resposta possível para essa pergunta. Ainda mais quando seu camarada que mora num veleiro te faz essa pergunta.
O print screen que não me deixa mentir. |
O Diego e a Georgia são um casal desses que de vez em quando saem no jornal por terem decidido viver de uma maneira não tradicional. Eles moram num veleiro de 32 pés há pouco mais de um ano e seguem velejando até o Caribe. Eles já tiveram várias aventuras, afinal saíram de Florianópolis e já estão em Fortaleza. Uma distância enorme para um barco a vela.
Já fazia mais de 2 anos que eu não saia pra navegar, antes era o meu trabalho, eu sempre ia pro mar, a cada 5 semanas eu estava lá. Essa realidade mudou, minha vida mudou e e eu decidi fazer outras coisas em terra firme e como você bem lembra eu fui viajar. Apesar da minha ligação íntima com o mar, sempre curtindo uma praia, um surf, mergulhos, eu não tinha muita perspectiva de subir a bordo de um barco e sair pra alto mar. Acho que não tinha nenhuma perspectiva...
Eu até já tinha pensado em me inscrever pra uma vaga no barco do Diego, pra fazer uma parte da viagem, voltar a velejar, só que eu não conhecia a Georgia muito bem, portanto eu tinha um certo medo dela. Uma mulher que decide ir morar num veleiro de trinta e dois pés, sair de Floripa e velejar até o Caribe definitivamente não é uma qualquer. Eu não sei das outras veladoras, mas a Georgia é o espírito, o vento e as velas do Unforgettable. Sem ela o barco simplesmente não ia nem flutuar. Hoje já não tenho medo (eu acho), tenho, porém, muito respeito pela força e determinação dessa mulher.
Dei uma super sorte já que os meninos não tinham nenhuma outra opção de tripulante e aceitei o convite antes de saber do que se tratava. Era dia 26 de dezembro quando o Diego mandou a primeira mensagem, dia 28 eu já tinha a passagem comprada. Eu sonhei com uma oportunidade dessas por toda a vida, não fazia muita diferença saber de onde sairíamos ou pra onde íamos, o importante era velejar e isso eu sabia que estava incluído. Logo o Diego me disse que precisava de uma mão de Salvador até Fortaleza porque ia fazer umas pernadas mais compridas, de alguns dias, meus olhos não acreditavam no que liam e meu sonho de fazer travessias oceânicas no pano que andava meio de lado voltava à tona. Eu já estava sentindo um chamado da Bahia e essa foi a gota d'água. Estava decidido, era hora de voltar pro mar, era hora de voltar na Bahia, uma terra de águas quentes e muita magia.
Céu e mar se confundiam e o ano começava de cima da Pedra da Gávea. |
Embarquei na madrugada do dia 3 de Janeiro, o barco estava pronto pra sair e largamos os cabos às 0600, devagar fomos navegando, 3 horas depois passávamos pelo icônico Farol da Barra, que sensação boa foi essa. Já fora de barra, colocamos os panos em cima e começamos nosso velejo. fazia muito tempo que eu não velejava, mas parece que é como andar de bicicleta, nunca se esquece. A viagem começou um pouco dura, logo estávamos molhados dos pés à cabeça velejando de contravento, enfrentando as ondas. Velejar com a bunda molhada não é a atividade mais prazerosa do mundo, mas seguíamos fortes. Logo o vento melhorou, o velejo também, nossas bundas secaram e ganhávamos milhas navegadas, cada vez mais perto do nosso destino. A primeira parada foi em Barra de São Miguel, onde fomos recebidos como convidados de honra. A comunidade náutica é muito hospitaleira e generosa, todos se ajudam sempre, sem pedir nada em troca, pelo simples prazer de ajudar. É bonito participar dessa troca boas energias num tempo onde isso parece estar se perdendo.
Depois de lá seguimos até Cabedelo onde mais uma vez fomos bem recebidos, de lá viemos até Fortaleza, de onde escrevo. A viagem foi ótima, de vento em popa em alguns momentos, na maior parte do tempo de través ou alheta, fizemos algumas avistagens de golfinhos, aves, peixes voadores, jangadas, navios e outros veleiros.
Grupo de Tursiops truncatus dando o ar da graça. |
Aqui em Fortaleza chegou o Luigi, que esteve comigo em Bali ano passado, que veio me substituir no barco. Apesar de esse ser o plano inicial, essa substituição não se confirmou, consegui uma extensão no meu contrato e também vou pro Caribe! Quando eu trabalhava esse tipo de extensão do contrato era pior que a morte, na vida real é melhor que sonho bom. Velejar tem tudo que o meu trabalho tinha de bom e nada do que tinha de chato. Estou muito feliz por ter voltado a navegar. E navego com o vento, sem barulho, sem pressa.
Nem tudo são flores nessa viagem. Depois de Salvador, eu gostaria de parar no Recife, tenho outras pessoas que eu queria encontrar por lá. Imagina só a gente entrando barra a dentro ao som do Alceu cantando: "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço!"
Sem contar as cervejas que seriam tomadas junto a pessoas maravilhosas. Isso nunca se realizou. O Diego é o Comandante do barco, ele que manda, ele que decide e ele decidiu não parar em Recife. Tentei de várias maneiras dissuadí-lo, nada adiantou, ele me disse do alto da sua sabedoria que esse pequeno sacrifício seria bom para o fortalecimento da minha fibra moral. Eu retruquei, disse que não seria um pequeno sacrifício, seria enorme. "Ainda melhor para a sua fibra moral" - ele me disse.
Não teve jeito, não parei no Recife, mas minha fibra moral está firme como uma rocha. O grande desafio agora é descobrir como usar essa tal fibra...
Portanto, essa é a história de como eu perdi sua festa de 2 anos. Perdi também a abertura do Carnaval no Rio e os aniversários do Alex e da Marinita. A Má entendeu minhas razões, o Alex também, o Carnaval eu ainda não sei, mas acho que sim. Só falta você dizer que entende, afinal você sabe sonhos precisam ser realizados, oportunidades surgem na nossa frente e precisam ser agarradas como hoje eu agarro as escotas do Unforgettable. Você também tem sonhos, você também quer realizá-los. Enquanto isso, eu acredito que a minha falta na sua grande festa será bom para o fortalecimento da sua fibra moral. Logo nos encontraremos com nossa fibra moral revigorada e eu te levo numa marina pra você conhecer uns veleiros e descobrir que existem outras coisas além dos seu queridos carros. Enquanto isso, vai focando nos seus sonhos, tenha fé, tenha muita fé, que um dia eles se realizarão. Espero que você sonhe com minha presença num aniversário seu e que esse sonho se realize logo.
No mar o sol se põe todos os dias. |
Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo!