sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

"Natal é então." Mestre Yoda

Antônio,

É Natal, meu parceiro, o seu primeiro e o meu vigésimo nono. Você não vai lembrar de nada desse seu Natal enquanto eu lembro de muitos e muitos.
Lembro do Papai Noel lá em casa tantas vezes, da casa cheia, da família reunida, da minha Vovó Zali, da minha Vovó Dinda, da Tathi, minha irmã, se surpreendendo com as novidades e dos sacos enormes de presentes, azul pra mim e vermelho pra ela, a minha primeira bicicleta trazida diretamente do Polo Norte! E lembro claramente do Papai Noel tocando a campainha, era incrível, todo o ano eu tentava pegá-lo no pulo, nunca consegui, ele é bem ligeiro para um velhinho. . .
E de outros mais recentes, com a minha nova família valente que eu conheci no mar e que eu ainda telefono todo Natal, ou dos meus encontros natalinos com a Luiza os quais a minha mãe tem ciúmes por eu não estar com ela o tempo todo. Não é fácil ter um coração grande, mas vale a pena, no final todo mundo entende.
Acabou que esse ano eu estou passando o Natal aqui na Índia, sem a minha mãe, sem minha família do Valiant, sem minhas vovós tão queridas, sem a minha irmãzinha enorme, sem encontrar a Luiza num bar da Zona Sul carioca. Sem bicicleta também, aqui já é perigoso o suficiente andar a pé.
Mas não estou só, nunca estou só, esse é o segredo.

Conexão Brasil-Espanha-Holada-Eua-Iran-Chile-Latvia

Aqui não tem Natal, é só mais um dia. Eu mesmo já pensei assim também, chega uma certa idade em que pensamos várias besteiras dessas. Hoje sei, porém, que o Natal é um dia muito importante. Não de reunião, de união. Os esforços que todo mundo faz para estar presente, muitas vezes, deixando de lado diferenças e outras besteiras. Todo mundo sempre participa como pode, seja ajudando na cozinha, na decoração, no entretenimento. É super bonito, eu passei um tempo sem dar o devido valor a isso. As circunstâncias podem te levar a não gostar muito do Natal, espero que você, moleque, não passe por isso.


Vão te falar que é o dia do nascimento de Jesus e tal, não vou entrar nesse mérito. Há muitas controvérsias, assim como com o disco de Natal da Simone que é muito bom, pioneiro aí no Brasil. Quase todos os artistas gringos super venerados no Braza gravaram músicas natalinas em algum momento, mas só a Simone é malhada. Nós, brasileiros, somos muito duros com nossos conterrâneos.
Voltando ao nascimento de Jesus. Isto, na minha opinião, não importa tanto. Tem muita gente que acredita e tem muita gente que não. Todos se juntam nesse dia, independente da fé. Isso, pra mim, é a beleza do Natal, essa força de unir a todos, iguais e diferentes. Ninguém quer passar o Natal sozinho, todo mundo se empenha para fazer parte de um grupo, todo mundo quer dividir a mesa e esse sentimento bom que brota dentro do peito nessa época. O importante no Natal não se pode ver ou tocar, apenas sentir. Os presentes tem o seu valor sim, mas você sempre vai ganhar um par de meias de alguém. Nem todos os presentes são trazidos pelo Papai Noel (meias não são, por exemplo!), mas ele sempre te traz alguma coisa, sempre. Até se você não tiver sido um muito bom menino, mas seja, não pelo Papai Noel, mas por você mesmo. Vai vir alguém um dia, provavelmente uma criança mais velha, e vai te dizer que o Papai Noel não existe. Saiba logo que esta é umas das maiores besteiras que eu escuto nessa época do ano. Eu acredito no Papai Noel até hoje, ele nunca me deixou na mão. É verdade que eu nunca o vi com os meus próprios olhos, como eu disse lá em cima, ele é muito ligeiro. Só isso não é motivo suficiente para que ele não exista. Nada será, ele existe, eu sei. Com o avançar da idade perdemos a habilidade de acreditar por acreditar, quase todos os adultos que eu conheço estão assim, o que me entristece. Eles já não acreditam no Papai Noel e por isso não conseguem perceber quando ele se manifesta. Eu consigo, ele sempre dá o jeito dele, ele me encontra onde quer que eu esteja, ano após ano, seja em casa, no meio do Oceano Atlântico ou aqui em Rishikesh. Vão ser poucos tentando de convencer de que ele existe e muitos do contrário, não será fácil. Um dia, porém, caso você queira eu posso te contar e até te mostrar presentes que eu ganhei em Natais que ninguém comprou pra mim, simplesmente me foram entregues e são dos mais valiosos. Alguns em forma de sentimentos, outros em forma de gente, outros ainda em forma de ensinamentos. Não foram super carros ou casas enormes ou roupas de grife, Papai Noel tem alguns mil anos nesse negócio, ele sabe que não são esses supérfluos que vão nos fazer feliz.

O que nos faz feliz são pequenas coisas que não se pode comprar ou vender, não se pode ver, apenas sentir. E quando você encontrar essas coisas só há uma coisa a fazer; dividir e elas se multiplicarão.

Acredite no Natal e acredite no Papai Noel, sempre.
Um ótimo Natal, sei que seu pai está longe, mas sei também que o coração dele esteve aí com você todo o tempo, assim como o meu.
E não faça cara feia quando abrir aquele embrulho cheio de meias, você também precisa delas.

Assim terminou o meu Natal, com o sol se pondo no Ganga, em Ram Jhula.

Se cuida por aí,
Um beijo do Dindo

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Post de segunda

Antônio,

Meu caro, você já aprendeu os dias da semana?
São eles: domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado.
Assim como as notas musicais, são sete. Assim como as notas musicais, você faz deles o que você quiser. Não há nota musical maior ou melhor ou mais importante que outra. É claro que dependendo da música que você toca, uma ou outra nota pode chamar mais a sua atenção, pode fazer a diferença naquele solo incrível.



Como nessa canção que eu descobri no livro On the road, do Jack Kerouac, veja só, que é pra ouvir de olhos bem fechados e ouvidos bem abertos.

Pode ser que em uma parte ou outra a música te encante mais, ou até te desagrade, mas saiba que essa nota que você gostou ou não só te desperta esses sentimentos por fazer parte de uma música inteira. Essa mesma nota, esse mesmo som, que te alegra numa frase pode te entristecer na próxima.
Depende sempre do todo, uma nota solta, sozinha, abandonada não faz música. Pra te alterar o humor ela vai precisar das outras. Fazer música não é fácil. É preciso técnica, perícia e coragem para despejar os sentimentos mais profundos da alma numa canção.

E você deve estar se perguntando: "Que raios isso tem a ver com os dias da semana?"
Te respondo sem titubear: TUDO!
Um dia da semana solto, sozinho, abandonado não é nada. Depende do que você faz dele.
De nada adianta ser sábado ou domingo se você passa seu dia sem fazer o que você realmente quer fazer. Vai ser ruim como qualquer outro.
As circunstâncias em algumas situações da vida podem te fazer gostar mais ou menos de um dia ou de outro. Como o dia que o seu pai vai embarcar, por exemplo, é horrível, eu sei, pra você e pra ele, mas a quinta-feira (ou seja lá quando ele embarca) não pode carregar todo esse peso, se ele embarcasse no tão celebrado sábado o sentimento seria o mesmo.
Eu já odiei por muito tempo a quarta-feira. Esse pessoal que crucifica a segunda-feira não sabe o que diz, na minha opinião. A quarta-feira me aterrorizou tantas vezes; é o único dia da semana em que se for feriado não dá pra enforcar! Isso já é um grande motivo, mas tem mais.
Uma vez no ano ela se transforma na quarta-feira de cinzas e mata o carnaval. Ela mata o carnaval!

   "É de fazer chorar, quando o dia amanhece e obriga o frevo acabar
    Oh quarta-feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar

    Quem é de fato um pernambucano
    Espera o ano e se mete na brincadeira
    Esquece tudo quando cai no frevo
    E no melhor da festa chega a quarta-feira"

Assim é descrita a quarta-de-cinzas pela Banda Eddie lá do Recife. A quarta-feira ingrata é terrível sim, mas você vai sobreviver a muitas e muitas delas. E no fundo vai saber também que o carnaval um dia tem que acabar.
Você está na creche e é muito novo ainda, mas logo mais você provavelmente se juntará a essa legião de odiadores de segundas-feiras. Acordar cedo e ir pra escola pode ser uma experiência traumatizante, foi pra mim, mas foi lá que eu conheci alguns dos meus melhores amigos até hoje e mesmo sem querer também aprendi muitas coisas. Você não vai ter escolha, vai ter que ir pra escola toda segunda. Reclamando ou não. Será melhor ir sem reclamar, mas não acredito que você vá conseguir essa proeza. Não é que eu não tenha fé em você, é que é uma missão quase impossível.

Agora, se daqui uns 20 e poucos anos, quando você estiver trabalhando e tiver mais liberdade pra tomar suas próprias decisões, acordar de mau-humor e irritado toda segunda de manhã reclamando do trabalho, do chefe, da vida, lembre-se: a culpa não é da segunda-feira. A culpa é sua que segue nessa tortura sem fim só porque é o que todo mundo faz. Só porque é o que todo mundo espera de você.
O peso das suas escolhas não podem ir na conta de um dia da semana.

Hoje eu amo as quartas-feiras e as segundas também e todos os outros dias.
Hoje, por exemplo, é segunda e eu tirei o dia de folga (não é porque eu estou viajando que eu não mereça uma folga)! Meu dia foi ótimo, tomei café, peguei sol, tirei umas fotos, li umas coisas, escrevi outras, fiz uma meditação maluca e agora estou tomando uma sopa de sei lá o que (minestrone soup).
Terminando ainda vou ali no Anna Café escutar uma música ao vivo. Pra um dia de folga fiz até demais.
Não vá esquecer, moleque; faça as escolhas certas e ame as segundas-feiras!


Se cuida por aí,
Um beijo do Dindo


Obs.: Esse blog nasceu numa segunda-feira. Era dia 17 de janeiro de 2005, quando eu conheci o seu pai ao vê-lo estatelado na Alameda Alegrete, onde ele, então, foi rebatizado de "sei lá o que" para Keixinho.

sábado, 19 de dezembro de 2015

"Macacos me mordam, Batman!" Robin dos anos 60

Antônio,

Estou aqui em Rishikesh, uma cidade tranquila e calma na beira do Ganga que é como chamamos o sagrado Rio Ganges por aqui. A fina flor do relaxamento total e pleno, é ótimo aqui, o contrário da vida ocidental que o mundo escolheu viver. Pra você ter uma idéia nem álcool tem por aqui, é proibido, então tomamos chá que é quente e te faz ter que ir no banheiro igual cerveja. O hit desse inverno por aqui é o hot lemon ginger honey, sucesso total, não há quem consiga resistir.

Uma das coisas que eu acho muito legal por aqui é a convivência entre os animais que vivem aqui; vacas, cachorros, macacos, esquilos, ratos (pelas cozinhas), peixes, gatos (apenas 2 por enquanto) e até homens. Todos vivem juntos, dividem a cidade e os turistas, é bem bonito ver essa harmonia.

Os macacos são muitos e são bem espertos, ficam pulando de galho em galho, de galho em telhado, de galho em ponte. Só tem um problema, eles são malandros demais!!! Sim, isso é um problema, meu caro, Antônio.

Edu e sua pipoquinha.

Esse da foto é o Eduardo Cunha, esse é mesmo o nome dele. Não digo isso porque ele deve ter roubado essa pipoca na maior cara-de-pau, possivelmente de um brasileiro honesto, não. Ele estava me dizendo que comprou a pipoca com uma grana suada que ele tem numas contas secretas na Suiça.
Eu perguntei:
-Mas se são secretas por que você tá me contando? A gente nem se conhece direito. . .
Ele respondeu:
-Não tem problema, são secretas, mas todo mundo sabe que eu tenho e não dá nada.
Esse é um exemplo de um macaco malandro demais.
Depois que conversei com ele fiquei com uma sensação estranha, mas minha carteira ainda estava no meu bolso, então segui adiante.

Eu, adoro frutas, o alimento vindo direto da natureza, pronto pra mandar pra dentro, uma das minhas favoritas é a boa e velha banana. Coincidentemente é também uma das favoritas dos macacos. Esses dias eu passei numa barraca dessas de rua e tinha um garotinho de uns 11 anos trabalhando, vendendo bananas, fui lá e comprei algumas. O garoto colocou num saquinho transparente e me entregou. Eu estava com uma mochilinha nas costas, mas não me passou pela cabeça guardar as bananas. Eu me sinto em casa aqui e isso era normal em Barna, sair de casa, compra minhas frutas de manhã e voltar. Eu estava fazendo o mesmo por aqui, comprei minhas bananas e seguia de volta pro meu albergue. Para isso era preciso atravessar a ponte por sobre o Ganga.

Ponte de Laxman Jhula sobre o Ganges.

Dá até pra ver um macaquinho ali em em cima, eu porém, tinha esquecido desse detalhe, afinal já dividíamos a ponte em harmonia por alguns dias.
Eis que durante minha agradável caminhada, me aguardando bem no meio da ponte de Laxman Jhula, lá estava um macaco me olhando nos olhos, bom, nos meus olhos e logo na minha sacola recheada de bananas maduras. Eu não tinha o que fazer, a ponte é estreita, tive que seguir em frente. Eu e ele travamos uma batalha de dança, eu fingia que ia, mas não ia, passava a sacola de uma mão para outra por trás das costas, giros e piruetas. As piruetas eram mais por conta dele. Passei por ele, talvez ele não estivesse assim com tanta fome, desistiu fácil. Continuei meu caminho dando risada e olhando por cima do ombro só por garantia.
Alguém me disse pra colocar as bananas na mochila, eu meio que ignorei, ia colocar no final da ponte, eu acho. Logo eu percebi que ignorar esse conselho valioso foi um erro. Ao chegar no final da ponte tinha uma gangue inteira de macacos me esperando, gritando, provavelmente comemorando, foi tudo muito rápido, nem sei se o Eduardo Cunha estava envolvido. Eu estava no larguinho depois da ponte, num lugar com bastante visibilidade, bem debaixo do German Bakery, um café famoso com várias cadeiras com vista pro Ganga geralmente, mas nesse dia era eu que dava o show. Logo eu estava cercado por dois ou três macacos, achei que eu ia me safar como eu tinha feito na ponte. Esses macacos, entretanto eram mais organizados e abusados também, num piscar de olhos um deles estava agarrado na minha calça e não soltava por nada, nessa hora eu estava com os braços esticados pra cima tentando salvar as minhas bananas. Honestamente eu não sabia o que fazer e estava ficando preocupado, vai que o macaco sobe em mim e me machuca, eles têm dentes e unhas afiadas, vai que ele arranha esse meu rostinho tão bem feito pela minha mãe, vai que ele mexe na minha barba! Eu cheguei a pensar em pegar uma banana e jogar pra longe como distração, mas não foi necessário, não deu tempo, veio alguém e me salvou, espantando os macacos.
Ufa!
Sobrevivi sem nenhum arranhão, guardei as bananas na mochila e segui meu caminho. Fiquei feliz por ter proporcionado uma distração para os turistas e para os locais que ali estavam, aqui nunca acontece nada. Pode ser até que eu vá parar no YouTube!

Então, moleque, preste atenção, são três lições importantes pra você hoje:

1. Onde quer que você esteja, nunca confie no Eduardo Cunha;
2. Na Ásia (não só na Índia), quando você comprar bananas, coloque logo na mochila;
3. Não esqueça dos óculos de sol, se eu não estivesse usando os meus, o macaco teria visto o medo e o desespero nos meus olhos e o desfecho, com certeza teria sido outro.

Vou indo nessa, amanhã tenho yoga de manhã, domingo aqui é só mais um dia.

Se cuida por aí,

Um beijo do Dindo!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

É tempo de aprender, eu e você (ou comece por aqui)

Antônio,

Você já tem quase um ano agora, então está na hora de eu dizer algumas coisas e te ensinar outras.
Não tenho sido um bom padrinho, eu sei, estou longe de você já há um tempo e quero que você saiba os motivos. Sei que você vai entender e torço para que um dia você também tenha seus próprios motivos para ir pra longe também. Viajar é preciso!
Bom, logo depois do seu batizado eu fui pra Barcelona, já era verão por lá e foi incrível! Você vai ouvir falar do famoso verão de 2015 e um dia vai conhecer os personagens das histórias inacreditáveis, porém verdadeiras, vividas nesse verão. Foi um verão de muitas mulheres, mas por favor não me entenda mal, tenho muitas amigas, só isso.
A amizade entre homem e mulher é uma coisa sensacional, é igual a amizade entre homens só que muito melhor!
Para te dar um exemplo dá uma olhada nessa foto:

Ah! O verão!

Imagina se eu tivesse ido pra Menorca com 3 camaradas no lugar dessas 3 gatas maravilhosas, não ia ser a mesma coisa. Essa viagem foi espetacular, uma semana no paraíso onde eu não peguei ninguém.

Enfim, o verão foi bom, mas passou. Barcelona ficou para trás. Em Barna ficaram lembranças, amigos e amores. Não foi fácil deixar tudo isso, não foi, mas foi preciso.
Tal como os grandes navegadores lá do século XV eu também fui procurar o meu caminho para as tão comentadas Índias. Encontrei. Essas serão as histórias que eu vou contar daqui pra frente, as histórias desse país maluco, desconhecido, intrigante, sagrado e de muitas qualidades que eu ainda não descobri.

Bom, moleque, espero que você vá acompanhando o blog, afinal, de acordo com a minha experiência, você já deve estar lendo direitinho, caso eu use alguma palavra complicada demais é pra melhorar seu vocabulário. Espero que você já tenha aprendido a primeira lição: tenha amigas mulheres, mas não só pra tirar fotos de verão, elas valem muito mais que isso. Comece logo, aposto que na sua creche tem um monte de meninas. Não seja um bobo como eu já fui, não tenha preconceitos com idades, as mais velhas são maravilhosas e as mais novas também.

Se cuida por aí,

Um beijo do Dindo!