terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Minha primeira viagem de moto (parte II, a parte final)



Antônio,

Acordamos cedo em Kunjapuri, o pôr-do-sol não era o suficiente, queríamos ver o nascer também. Assim começava o último dia de um ano especial para mim. Acordamos por volta das 6 da manhã o sol tinha marcado conosco um pouco antes das 7. Nos vestimos com todas as roupas que tínhamos levado, fazia um frio de gelar os ossos, e voltamos ao templo para aguardar o nosso convidado de honra. Aquele que nunca se atrasa, ele sempre chega na hora que tem que chegar, assim como eu.
Esperando o sol chegar.

De manhã cedin.
Fazia frio e o glorioso sol ainda não tinha dado as caras, portanto era hora de tomar um chai. Enquanto tomávamos nosso chai ele chegou esplendoroso nos iluminando e nos esquentando mais uma vez, iniciando mais um dia.

Sol nascendo e chai bebendo.
Depois de recarregar as energias com o calor dos primeiros raios era hora de tomar um café da manhã reforçado. Aqui, aparentemente as comidas típicas de café da manhã são reforçadas, escolhemos o tradicional allo parantha. É tipo um chapati com recheio de batatas e claro, cheio de especiarias pra dar um sabor especial e forte. Um par de horas mais tarde (aqui tudo leva um tempo extraordinário para tomar forma) estávamos prontos para seguir nosso caminho e retornar a Rishikesh a tempo do ano novo.
Logo na primeira chance que tive, antes de sairmos, derrubei a moto pela segunda vez e me perguntei se ela ia acabar conseguindo me levar pro chão com ela no futuro. . . Subi na danada e o caminho era ladeira abaixo e como dizem por aí; "pra baixo todo santo ajuda". O plano era voltar por um caminho diferente do que usamos pra subir, queríamos passar por lugares novos, talvez um outro templo, talvez uma cachu. Como era de se esperar estávamos animados com a retomada da nossa aventura motociclística. Como era pra descer e eu ainda não sabia dar a partida na moto não tive muitos problemas, fiz uso da técnica milenar conhecida como "descer na banguela". Você vai descobrir aqui no blog que existem milhares de técnicas milenares que são usadas em larga escala até hoje e eu estou na Índia, tudo por aqui é milenar, estou aprendendo novas velhas técnicas para muitas coisas. Eventualmente aprendi a ligar a moto e tudo ficou ainda melhor.
Nos indicaram um caminho para um tal templo, era uma estradinha de chão de um pouco mais de 2 metros de largura e super maltratada, de um lado a imponente montanha, do outro o aterrorizante abismo, nenhuma mureta nos separava do abismo, de vez em quando uma árvore. Seguíamos a estrada com o maior cuidado possível e bem lentos, aqui não existe pressa de qualquer maneira. Nessa hora o plano mudou um pouco, não era mais tão importante chegar ao tal templo, o importante era chegar de volta em Rishikesh do mesmo jeito que saímos, inteiros. Logo desistimos do templo e começamos a procurar uma boa cachu pra lavar o corpo e a alma. Sem placas e sem muita gente pra pedir informação seguimos com fé de que essa estrada ia nos levar, pelo menos, pra perto de Rishikesh.
Juan e Vane eram os primeiros seguidos por mim e fechando o time vinham Késhava e Julia. Tínhamos uma certa distância entre nós, assim por segurança. Eis que num dado momento enquanto eu curtia o visual, as casinhas, as hortas e os riachos, depois de uma curva para a esquerda eu vi uma moto branca no chão. Logo depois da moto estavam Juan e Vane ainda no chão, eles tinham acabado de cair, a estrada era toda cheia de pedrinhas soltas e as motos patinavam muito até que nessa curva o Juan não conseguiu segurar. A moto saiu de traseira e foram todos ao chão. Eu parei a minha moto e não sabia muito o que fazer. Logo chegaram os meninos que vinham atrás e perguntamos se estavam todos bem, tiramos a moto do meio da estrada. Estava tudo bem, foi só o susto, um joelho ralado de um e um cotovelo de outro. Assim foi o primeiro acidente da viagem. E estava previsto por um astrólogo, ele tinha dito pra Vane que ia ter um acidente uns dias antes, quando ainda nem sabíamos que íamos sair de moto. Tomamos um pouco de água e seguimos viagem. 
A velocidade era de incríveis 20 km/h, às vezes 30, quando a estrada assim permitia.
Com as pedrinhas pelo chão a estrada era traiçoeira, eu pensava que deveria ser menos perigoso se a estrada fosse de gelo molhado, mas não tínhamos o que fazer, voltar seria pior. Nessas condições logo chegou a minha vez de perder o controle da moto numa curva, também para a esquerda. Eu descia bem devagar e passei num montinho de pedrinhas, a moto começou a escorregar, eu travei a roda de trás e não houve mais o que fazer, a gravidade já estava controlando a moto e nos puxava para o chão sem piedade. Foi aí que eu me vali de duas outras técnicas milenares. A primeira meu irmão Diego me ensinou há muitos anos enquanto eu aprendia a andar de bicicleta e ela versa: "quando você perceber que vai bater (ou cair), pula!". Foi o que eu fiz, saltei da moto e ao aterrissar me vali da postura de yoga adho mukha svanasana e com os dedos das mão bem abertos me proporcionando uma boa base nada aconteceu, um raladinho na mão por conta do chão de pedrinhas e só. Me pus de pé, levantei a moto, falei com os meninos que vinham logo atrás de mim que estava tudo certo e seguimos viagem. Um pouco tensos depois de 2 acidentes logo decidimos parar um pouco e dar uma volta a pé. Paramos onde parecia ser um pequeno vilarejo. Subimos a rampa que dava acesso a esse povoado e quando chegamos lá percebemos que não era bem isso. . . Tinha apenas umas seis ou sete casas, onde, em cada uma morava uma família aparentemente. Logo um senhor veio nos receber com sua bengala na mão e um sorriso no rosto. Ele não falava uma palavra em inglês ou alguma outra língua que pudéssemos compreender, mas não era preciso. Eles nos convidou à sua casa e ofereceu cadeiras a todos, éramos convidados de honra. Aqui na Índia um hóspede inesperado representa a chegada de um deus a sua casa, para eles é uma grande honra. Logo ele nos ofereceu um chai e fez questão de mostrar sua pequena vila, sua horta onde eles cultivavam os alimentos que precisavam, as flores, a vista. Ficamos ali com sua família um tempo relaxando, fazendo uso daquela atmosfera tão particular, as casinhas coloridas, os animais, o silêncio. Depois de recuperar as energias e a confiança era hora de seguir adiante. Nos despedimos e fomos ladeira abaixo mais uma vez. Já não estávamos tão longe de Rishikesh. Descendo aquela estrada da morte e já com o Ganga no visual logo encontramos uma cachoeira, Neer Waterfall.
Mamãe Ganga e Laxman Jhula ao fundo.
Paramos as motos e fomos finalmente lavar a alma no último dia do ano. O banho de cachoeira era exatamente o que precisávamos, sentir a água atravessando o corpo inteiro de uma vez e eu ali imóvel, testemunha da vontade dessas águas de logo se juntar ao Ganga e mais tarde chegar no mar. Um caminho que eu também estou fazendo.
Depois do banho chegamos em Rishikesh em alguns minutos, comemos e devolvemos as motos, essa aventura terminava. Fico imaginando qual será a próxima. . .

Mesmo longe fazemos as mesmas coisas. Ele aprende rápido.

É isso, moleque, meu ano novo deve ter sido bem parecido com o seu, eu estava super cansado da viagem e assim como deve ter sido com você, não tomei champagne, não consegui esperar dar meia-noite, fui dormir cedo, não é vergonha nenhuma, não se preocupe. Então deixo essas lições do ano passado, motos podem ser sim perigosas, aprenda seus limites e vai ficar tudo bem. E não esqueça de escutar os mais velhos, suas técnicas milenares poderão te salvar um dia. Sei que isso não é fácil, esses adultos falam como se soubessem de tudo, concordo com você, eles não sabem nada, mas ainda sim sabem bem mais mais que eu ou você.



Se cuida por aí!
Um beijo do Dindo


Obs.: Vou ficar devendo fotos da cachu por enquanto, assim que o brother me mandar eu atualizo.

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